Sobre unidades aéreas de combate e o valor dos seus homens
...uma das marcas do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada era a proximidade entre os círculos hierárquicos. Por certo que era uma realidade mais evidente para quem o conhecia pelo lado de dentro. Por fora, a disciplina militar da Embarcada era irretocável. Respeito e acatamento mútuos entre oficiais, graduados e praças, brotavam da própria natureza da unidade, marcada pelo confinamento da convivência dentro de um navio de guerra (há trabalhos acadêmicos a respeito deste tipo de convívio), e no relativo isolamento que sentíamos na relação com a própria Força Aérea. Esta proximidade se traduzia, mesmo, em genuína admiração pessoal; não raro, amizades de vida inteira.
Convivíamos comprimidos na "nossa" sala de apronto, o Brifim Dois, a bordo do Minas Gerais, e isso punha, inevitavelmente, as pessoas, ombro a ombro, o dia todo, todos os dias, às vezes, por duas semanas seguidas, quando o Minas Gerais não tocava um porto (havia este exercício, "Endurex", para provocar a resistência da tripulação em longos períodos no mar). Nos sentíamos detentores de uma linguagem diferente do mundo que nos circundava, quer a bordo (pois éramos homens da Força Aérea, numa unidade naval, com seus códigos, vocabulário, usos e costumes, diferentes dos nossos), quer no mundo da própria FAB, pouco afeita às coisas da guerra no mar. As exigências da nossa missão eminentemente marinheira, formada a partir de doutrinas e convívio com as Marinhas do Brasil e dos Estados Unidos, faziam do 1º GpAvEmb uma espécie de contraste, uma vez que a FAB não operava sob os mesmos padrões operacionais, de treinamento, equipamento, procedimentos, fraseologia, etc.
Vivíamos na escassez, e a proximidade com que víamos a superação dos desafios advindos dela, permitia que aprendêssemos a respeitar o homem por trás de cada peleia em prol da unidade, em nome dela, vencida ou não. Conhecíamos os desafios de uns e de outros, e isso, sem dúvida, gerou muito, e legítimo, respeito mútuo. Isso alimentava poderosamente o nosso Espírito de Corpo. Nos sentíamos uma "unidade", no sentido estrito do termo. Sentíamos a interdependência entre nós. Desde recém-chegado em Santa Cruz, eu achava bonito ver aquilo 'girar', como parte do nosso cotidiano; achava enobrecedor, no sentido do agricultor e sua enxada, descrita pelo Saint-Exupéry em Correio Noturno. O aviador-filosofo pregou contra a futilidade da arrogância, no desempenho das atividades cotidianas de cada homem. O "serviço", em prol do outro, em prol do coletivo, é que determina nossos méritos.
O Capitão Haiki, ao centro, de macacão de voo, cercado do "seu" pessoal, Inspetoria, Planejamento, e talvez alguém mais. |
Pois um belo dia, eu encontrei um documento datilografado e assinado que ilustra cabalmente, justamente por demonstrar a perspectiva de um oficial da unidade, todos os predicados que eu venho creditando às relações entre os homens do GAE. Relações estas, conforme moldadas pelas exigências da vida na Embarcada. Ora, pela lógica ingênua, a um oficial, bastaria mandar, e o peso dos regulamentos e disciplinas se encarregariam de fazer as coisas acontecerem, pois não? Muito pelo contrário! Demonstra a preocupação com os valores envolvidos no respeito pessoal, aplicado acima e abaixo da cadeia hierárquica. Demonstra a preocupação com a continuidade daqueles padrões, uma vez que se pode admitir que a lista tenha sido confeccionada para transmitir ao seu eventual substituto, suas experiências e a sabedoria que lhe foi transmitida, ao ter, ele próprio, assumido aquelas funções. O texto fala por si, considerando o digno leitor que os "Prado" e "Monsores", eram a melhor representação da qualidade dos Suboficiais do Grupo, pelas mãos de quem, tudo se ajeitava no reino da Manutenção, e dos quais, ninguém que aspirasse sucesso na chefia do Material poderia abrir mão... os Sargentos, Cabos e Soldados os seguiam, junto com outros "monstros sagrados", de olhos vendados, sem discussão...
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