Suboficial Joca, o Zero Hora, o maior caçador de submarinos do Universo... quiçá do Hiper-Espaço...

...em todo o dia 22MAR completa-se um aniversário do desaparecimento de um ilustre desconhecido filho desta "Botocúndia" (usando a expressão do Monteiro Lobato). Certamente, desconhecido. Certamente ilustre, contudo, porque daquelas pessoas INFINITAMENTE comprometidas com o que fazem, e não o fazem para proveito material próprio; o fazem em nome de alguma coisa que enxergam como maior e externa a elas próprias. E isto é ainda mais relevante, quando se sabe que ele era um funcionário público, dos quais a Botocúndia tem tido tantos exemplos repreensíveis. Seja como for, nosso personagem nunca trabalhou para ele mesmo. GASTOU-SE nos seus afazeres profissionais. Empenhou seu nome e sua reputação na maneira pela qual desempenhava as suas funções e afazeres. O nome com o qual este desconhecido foi batizado neste mundo de meu Deus é João Baptista Carlos.
Tornou-se militar da Força Aérea Brasileira, formado RT VO, o rádio-telegrafista de voo. Passou para a reserva como Suboficial, quando servia no Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, na Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Foi nesta fase da sua vida que encontrou o desafio de treinar a mim, transferido que fui para a Seção de Inteligência do 1º GAE. Foi então que, talvez pela primeira vez, pude confrontar o homem com a lenda. Lenda sim, porque o "Sub Joca", ou, o "Sub Zero Hora", o negro gigante, tinha seu nome circulando pela Embarcada sempre envolto numa aura mística... "o Joca" isso "o Joca" aquilo. Na Embarcada, ele era operador de radar e de sistemas acústicos, os sistemas empregados para se detectar, identificar e se preciso, destruir um submarino, missão precípua do GAE. Consta que uma vez, um avião anti-submarino inglês desceu em Santa Cruz, (imaginem, tempos de Guerra Fria, a Inglaterra membro da OTAN, sempre pronta para desafiar a URSS em combate!) e alguém da tripulação pergunta: "...quem é o Sargento João Carlos?..." a fama do sujeito extrapolava!
Sub João Carlos. Joca. Para o "novinho" recém chegado à unidade, a voz, grave, áspera, espremida pelas cordas vocais torturadas pela nicotina e pelos tragos sem fim, vencia o ar como um serrote e cortava a tua alma até o teu coração. Era uma voz para ser ouvida apenas uma vez. Não se discutia com ele. Acho que alguém o chamava de "Rei Zulu". Uma vez, eu trabalhava nos confinados espaços da cabine de comando de um dos nossos P-16, quando aquela voz rugiu pelas minhas costas "saia!"... até hoje eu não sei como nem por onde eu saí do avião... eu só sei que saí. Aliás, "saia!" era a senha para tu liberares o chuveiro "dele", não só em Santa Cruz, mas pelas bases aéreas desta botocúndia afora; existiam os sanitários "dele", também. Ele era insuportável. Aquela voz também não era econômica ao, com um desdém jocoso, se referir às suas próprias qualidades, que lhe ensejavam as proezas que o identificavam: "...ganhei a guerra!..." roncou ele uma vez, ao pousar de volta no Minas Gerais, depois de ter detectado o submarino "inimigo", durante um dos incontáveis exercícios dos quais participou. Escreveu o comandante José Aquino (TAM), antigo Cardeal, no grupo do FB dos veteranos: "Lembro do Grande Joca desembarcando ao final de uma “caçada” daquelas, em pleno verão, completamente tomado pelo suor. Também podia, eram mais de quatro horas de busca ASW com os olhos 👀, ouvidos 👂🏽 mãos 🤲🏽 e cérebro 🧠 diretamente conectados ao painel do OE4. Nessa posição não tinha pra ninguém!"
Então, eu fui trabalhar com ele na Inteligência. E ali, só ali, trabalhando com ele, eu descobri que aquela coisa era humana. Uma humanidade tão sensível, veja o distinto leitor, que ele era destes poucos caras com os quais se podia falar sobre cinema (considerando o bom e velho cinemão hollywoodiano dos Bogarts, Holdens e "Dukes")! ). Uma humanidade que negava o sujeito que era só asperezas (..." o Thiesen voar?! Rá, Rá, Rá, Rá, Rá - risada - Só sob o meu cadáver!" conforme me disse o Medeiros, quando eu tentava fazer parte das tripulações operacionais). Foi ali que eu vi a dedicação ao serviço (meu Deus! as mensagens sigilosas cifradas eram enviadas e recebidas com aquela máquina manual dos infernos, ainda!); falta de pessoal?! lá ia ele, como qualquer Soldado estafeta, correr a unidade e a base, levando e buscando documentos. Não mandava ninguém se estivéssemos ocupados, ele o fazia! O "grande" Joca, fazia a si próprio de estafeta... para o serviço não parar. A seção estava SEMPRE aberta, já antes do início do expediente, e TODOS os dias havia motivos para ser a ÚLTIMA a ser fechada, afinal, o S2 está diretamente ligado ao Comandante! há que estar pronta a acessorá-lo, a TODO o momento! Era duro com os outros, porque era duro consigo próprio, primeiro. As vezes me parecia um exagero! eu, a princípio, contrariado por estar na Inteligência, contrariado pelas práticas dele... fiquei a ponto de explodir; mal comia, mal dormia... o Joca, que percebeu o meu dilema, com paciência PATERNAL, me conduziu pelo vale da sombra e da morte... me levou pelo caminho da coisa certa a fazer. Fui protegido da minha própria revolta; fui mentorado e estimulado, e nunca poderei saber, até que ponto, PROTEGIDO por ele, pois que eu nunca fui econômico em demonstrar as minhas inconformidades às chefias as quais não respeitava pessoalmente - e o S2 do 4º/7 GAv teve a sua parcela deles, verdade seja dita...
Eu devo ter sido protegido por ele, portanto. Digo isso porque, apesar da sua correção com a hierarquia, o Joca não mixava para ela, quando sabia estar certo. Não aceitava o que considerava excessos. Eu o vi enquadrar um Tenente impertinente, recém chegado: "..não gosto de palhaçada..." disse o Joca; e o coitado do Tenente levou um tempo para deixar de chamar o Joca de "senhor". Eu aprendi TUDO com ele. Aí, um dia, ele foi pra reserva, voltou para o interior de São Paulo, e eu nunca mais o vi. Ele não se despediu de mim.
Portanto, meus ex-colegas, amigos, irmãos e conhecidos do Blogspot e alhures, este era o Sub Joca. Eu o seguiria até o inferno, e sei que, se tivesse sido preciso, ele era um desses caras que teria se sacrificado em combate, tripulando um avião ultrapassado, mas pondo conhecimento e sacrifício pessoal à disposição do bom cumprimento da missão, acreditando defender a segurança do país de vocês. Eu gostaria de ter sido um pouco mais eloquente, eu queria ter podido estimular vocês a aplaudirem o Suboficial João Baptista Carlos, o Sub Joca...o Zero Hora. Dia 22 de março de 2014 ele morreu...

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas