Gíria marinheira, e vida a bordo do Minas Gerais.

...segundo a gramática daquele país amigo, a Marinha, "cobertas" são os espaços do navio reservados para servirem de alojamentos para a tripulação. Normalmente, quando o Minas Gerais não estava muito cheio (em operações corriqueiras, quando se ia a portos menos badalados; o que não era o caso das capitais nordestinas em janeiro, ou, viagens para o exterior, quando faltava espaço) os Primeiros Sargentos mais modernos, Segundos e Terceiros Sargentos do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada ocupavam as cobertas A-214-1L-A (Alfa), -B (Bravo) e -C (Charlie). Na verdade, um espaço único, com duas anteparas (paredes; estamos entre marinheiros, lembram?) no meio, que formavam três espaços diferentes: da proa pra popa, a -A, a -B e a -C. À vante e à ré, portas estanques isolavam os compartimentos dos conveses abertos presentes logo em seguida, por onde chuva e, eventualmente, o estado do mar, podiam manter alagados. Nas subdivisões interiores, apenas passagens arqueadas, sem portas. Havia um grande banheiro coletivo, com privadas, mictório e chuveiros, encaixados justamente no interior da "asa" do convés de voo, a Bombordo (a "esquerda" da Marinha). Havia, também, uma barbearia, um lugar famoso por abrigar algumas farras esquisitas.

Eu acredito que seja a A-214-1L-A, com o fotógrafo voltado para a proa do Minas, tendo a passagem para a A-214-1L-B, às costas. Reparem nos três beliches. Quando eu embarquei pela primeira vez, já eram quatro. Na posição central, ao lado de cada cama, um escaninho onde se podia colocar a placa de dispensa, que autorizava a alguém permanecer deitado entre a Alvorada e a "Volta às Faxinas". 


Estes espaços ficavam no convés da galeria de bombordo (a ESQ do navio), logo abaixo do convés de voo. O convés da galeria é exatamente isto, um "andar" estreito do navio, espremido entre as laterais externas do navio, e o vão interno, criado pelo hangar. É fácil imaginá-lo, pensando nas galerias em um teatro, que ficam em posição elevada à volta do espaço principal da plateia. Claro, as A-214-1L- não eram como os camarotes dos navios modernos, mas eram bastante confortáveis, com bom espaço, ar condicionado, armários individuais, que correspondiam a camas específicas. As camas estão entre as melhores que eu conheci. Colchões de qualidade e um estrado de molas realmente bom. Na verdade, a correspondência entre cama/armário, era bem relaxada, principalmente com o navio não muito cheio. Eu, por exemplo, sempre procurava ficar com uma das camas do "andar de cima", porque elas eram iluminadas, podia-se ler e escrever cartas nelas. Sim, era o tempo das cartas. Os "andares de baixo" estavam sempre na sombra, o que era, se era ruim para ler, era uma vantagem quando se podia, ou, precisava, tirar um cochilo, nos horários entre a Alvorada (06:00h) e o "Volta às Faxinas" (6:00).


A A-214-1L-B, com o fotógrafo voltado para a proa do navio. A "Bravo" era a única que tinha esta "pracinha" central, um espaço vago, muito útil pra rodas de conversa, de música, de trago, ou tudo isso junto. À porta, o Sargento Procópio. às suas costas, o A-214-1LA. Logo depois daquela passagem, virando à ESQ, estava a entrada do banheiro; e, antes da passagem, o a tal barbearia consagrada a Baco.


A "-B" (Bravo), com o fotógrafo voltado para a ré do navio, a popa. Além da passagem, ao fundo, estava a coberta A-214-1L-C. Diretamente na sua DIR, estava o acesso à tal barbearia. Ouvia-se coisas impressionantes das "festas" realizadas ali. Esta foto é de muito antes de eu chegar na unidade, por isso só reconheço apenas os Sargentos Sabadini (sem camisa, quase de frente pro fotógrafo), e o Sargento Aparecido, o mais próximo do fotógrafo, de lado. Reparem que existem apenas três beliches, ao invés de quatro, como na foto seguinte, tirada por mim.



A A-214-1L-B era a única das três que tinha alguns beliches colados à antepara de Boreste, o que significa dizer, a "parede" do próprio hangar do navio. O cadáver sobre a cama é o do Sargento Cheble, que quis me matar (a mim e à minha impertinência de novinho inexperiente e atrevido) no meu primeiro, ou, segundo embarque. Não ocupasse eu já, as camas de cima, nossos colegas não o poderiam ter contido, e este Blog não existiria... mas, só o susto me fez aprender a lição. Quartéis não eram lugares de mi-mi-mi...

Dormir neste período, só com autorização. Recebia-se um cartão, que deveria ser posto ao lado da cama, num escaninho previsto para isto, que evitava que o sujeito tivesse o sono interrompido com alguém lhe perguntando: "...tá deitado por que? Tem autorização?". Ora, não eram raros os serões, madrugada adentro, e a segurança da continuidade e eficiência das operações dependia que pelo menos algum descanso fosse garantido, quer pra quem voasse, quer pra quem precisava compor as equipes de sobreaviso. Na verdade, muitas vezes, o pessoal de Comunicações e Armamento, tanto voava quanto atendia aos voos. Ocasião pra sobrecargas não faltavam a bordo.

Banheiro da A-214-1L-A, conforme eu o fotografei, entre ABR-JUN96. À minha DIR está a porta de acesso; à minha ESQ, uma outra porta para a área dos chuveiros e pias, que tinha a mesma profundidade. Em todos os mictórios, instruções para as turmas de faxina, de como aplicar ácido muriático, inclusive com a lista do equipamento de segurança a ser usado. Além disto, durante todo o dia, um marujo ficava passando panos no chão. Os banheiros cheiravam à tinta esmalte e desinfetante.


Eu acreditava que esta era a única foto que eu tinha da A-214-1L-C. A foto é minha, e devo tê-la feita durante o jantar, pois as toalhas de banho e roupas de cama, e pessoais, já estavam expostas.

Na verdade, eu acreditava que esta foto, que eu tirei no meu primeiro embarque, em SET88, havia sido feita à entrada da "-A" (Alfa); contudo, a porta estanque ao fundo demonstra que esta coberta é a "Charlie". Passando-se por aquela porta, podia-se seguir até a popa do navio. Por lá havia as demais cobertas do Departamentos de Aviação, e Armamento. Aparece o Sargento Araújo, vestindo o "gambá", característico da divisão de manutenção de aviação, a Divisão V-6 . Logo depois o Araújo foi transferido do Grupo.

Fosse como fosse, sem dispensa (o que não impedia que se ocupasse fortuitamente alguma cama mais escondida, no fundo dos corredores, para um cochilo irresistível-valia até mesmo desatarraxar algumas lâmpadas, para esconder ainda mais o crime), depois da Alvorada, um novo encontro com a cama só lá pelas 16:00h, depois das "faxinas", quando se podia voltar a arrumar as camas, e permanecer nelas. Da Alvorada até a "Volta às Faxinas" (quando a inspeção realizada pelo senhor Imediato do Navio punha fim às faxinas, nada ficava fora dos armários, mesmo toalhas e alguma roupa molhada; assim também a roupa de cama), e os colchões ficavam expostos em seus forros verdes.

As camas superiores eram o paraíso. Acesso à rede elétrica (tomadas rosqueadas nos soquetes das lâmpadas) permitiam o uso de ventiladores; podia-se dormir diretamente debaixo de uma saída de ar-condicionado, havia espaço para sentar, e toda a iluminação que o sujeito precisasse. Caribex 1996, entre  ABR-JUN.


Em tempos de viagens "boca rica", a sargentada do GAE ia sendo empurrada conveses abaixo, com evidente declínio na qualidade. Ainda mais em viagens longas, quando tendíamos a levar mais bagagem. Não tentarei descrever o calor... Na verdade, este era o tipo de coberta com a qual nossos heróis, os nossos Cabos e Soldados, estavam acostumados. Não havia armários, apenas baús sob os beliches (estrado de lona). O "campanha" que ocupasse o beliche de baixo, obrigatoriamente, tinha que abrir mão da sua cama, para que os demais tivessem acesso aos seus pertences, como se vê. Foi onde eu mais vi baratas. Um músico dos Fuzileiros, ao meu lado, me disse que havia posto naftalina, uma noite, e que, na manhã seguinte, uma barata, meio zonza, pediu pra ele: "...mais bolinha... mais bolinha..." Foto minha, feita durante a CARIBEX, entre FEV-ABR94. 
O convés da galeria era, na verdade, um grande corredor, e por este corredor passavam todos que circulavam entre a proa e a popa, o que enchia o ambiente das cobertas com o barulho constante da abertura e fechamento das portas estanques, que ficavam nos extremos do compartimento. Inclusive durante a noite. Tinha que se acostumar... "...MINAS GERAIS!... Silêncio!...". Quando não indicada a minha autoria, as Imagens foram escaneadas de diapositivos sobrantes dos arquivos do 1º Gp. Av.Emb.

Comentários

  1. Agora ficam as lembranças de bons momentos. Na época devia ser dureza! Abraços?

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    1. ...tens razão, Arthur! Toda a razão! Se bem que hoje ainda há o bônus de poder dividir as lembranças com as pessoas que gostam do assunto; fazê-las "viajar" um pouco, também. Muito obrigado! Abraço!...

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