Ter um avião de guerra é diferente de só "ter um avião".

Em JUN74 foram selecionadas as células de S-2E que seriam compradas pelo Brasil. A princípio seriam 12 aviões operacionais, vieram oito, mais três logísticos, destinados a fornecer peças aos outros oito. Aqui, da ESQ para a DIR, os BuNos 152827, que se tornaria o 7034; 152833, 7035; e, possivelmente, o 152339, que se tornaria o P-16 mais voado do GAE, o 7030, perdido durante operações aéreas embarcadas, em 13NOV95, quando perdemos o Sargento Renato Souza Dutra.

...a incorporação dos P-16E (Grumman S-2E Tracker) ao Primeiro Grupo de Aviação Embarcada foi um processo, no mínimo, tortuoso. A parte fácil: comprar; os aviões chegaram entre DEZ75 e ABR76. O diabo é que "avião", qualquer aeroclube tem. Uma unidade aérea de combate, contudo, para justificar o nome e os dinheiros, voa com um propósito só: destruir. Se uma longa linha de preparativos não estiver ativa, e o "avião" não estiver plenamente equipado, mantido, tripulado por gente capacitada e proficiente, a função de dar tiro nos outros não se completa, e o Brasil perde a guerra (e aí, só se jogou tempo e dinheiro fora).

O 7033 a momentos de iniciar a viajem ao Brasil, após sua entrega oficial, em Jacksonville, FL, em 17DEZ75. Posando, na saída de emergência do piloto, o Cardeal 112, Marco Antônio de Carvalho, identificado graças à ajuda do Cel. Souza Lima. A imagem,foi escaneada diretamente do negativo, resgatado dos escombros da unidade, após sua desativação. Não tenho informação do fotógrafo. 

Pois a aquisição dos P-16E pelo Brasil, colocou a FAB num patamar tecnológico que, se em fase de superação no Mundo, era ainda muito superior ao que se conhecia por aqui (exceção feita, talvez, ao Mirage III). E isso exigiu a construção de infraestruturas de suprimento, de treinamento, de manutenção, muito  mais complexas do que já existiam. Tudo teria que funcionar no padrão da Marinha dos Estados Unidos (USN), ou seja, as exigências operacionais de quem tinha por missão, prevalecer em combate contra as ameaças militares dos países comunistas. Não era pouca coisa.  E a FAB "apanhou" para pôr-se minimamente, a par com as necessidades de cooperação com aquele país, como exigia o seu papel de fornecedora de meios aéreos para a Esquadra Brasileira, esta, em íntima relação doutrinária e operacional com a USN. Aliás, este sempre foi o problema de "comunicação" entre a FAB e o 1ºGpAvEmb, a doutrina.

Aspecto do Suprimento do GAE. As unidades aéreas mantinham seus próprios suprimentos, num sistema de indiscutível versatilidade e agilidade. Mais tarde, infelizmente, passou-se para modelos centralizados, lentos e burocráticos. O pessoal identificado com uma unidade, sempre trabalha com mais paixão, ou, pressão, na falta da primeira. Estas caixas pretas relacionam-se com os sistemas embarcados no P-16. A falta de uma, compromete um sistema, seja acústico, radar, CME, comunicações, etc. A partir daí, já não se tem mais um avião de guerra, capaz de levar a cabo a tarefa para a qual foi adquirido. em suma: ele deixa de fazer sentido.

Eu acredito que o 1º GpAvEmb teve que absorver, com os P-16E, os reflexos da conhecida receita de quem só guarda a capacidade de comprar coisas, por incapaz de produzi-las (e o Grippen vem aí!). Adquire-se novos equipamentos e tecnologias, mas não se tem as disposições necessárias para o que vai além da "posse", e o prestígio/status decorrentes da posse. De alguma maneira a "cultura burocrata- estatal", que gerou a "sociedade nacional" e as Forças Armadas (considerando que homens e mulheres que vestem fardas provêm desta mesma sociedade, e só podem refletir este "estado mental") são vítimas da versão tropical do que Saint-Exupéry denunciou nos franceses, outro povo enredado no Estado, a falta da "Moral do Declive" (que lhes custou a humilhação da derrota relâmpago e da ocupação).  Uma maldição cultural que sempre permite fazer faltar o que seria necessário, culpando-se o pouco que se tem.

A chegada dos P-16E no GAE, mal comparando, reflete o caso da esquadra de 1910 (mal comparando, e guardadas as proporções), quando aquela cultura a que me referi, acima, representada, talvez,  ainda na mentalidade da "Marinha de Madeira", descurou até mesmo da provisão de pessoal suficiente para fazer frente às novas demandas de mão obra para tripular aqueles barcos. Descurou, também, da  infraestrutura capaz de lidar com aquelas novas tecnologias, da sua manutenção (quiçá aperfeiçoamento, porque tecnologias compradas estão logo ultrapassadas) para garantir o seu pleno funcionamento e aproveitamento. O resultado é a inevitável queda na operacionalidade e dispêndio inconsequente de dinheiro. Vejam os amáveis leitores, quantos encouraçados da geração dos dois Minas Gerais de 1910, construídos entre 1910 e 1914, que nas principais potências lutaram na Primeira E Segunda guerras mundiais, enquanto que os antigos Minas Gerais capengavam já, terrivelmente, em 1918, e só puderam desempenhar o papel de bateria costeira, estáticos, guardando portos, a partir de 1942.

O Minas Gerais e o São Paulo, eram o que de melhor o dinheiro gerado pelo café podia comprar. Os mais poderosos navios do mundo. Um reinado efêmero pela velocidade dos avanços tecnológicos, é verdade, mas intensificado pelas inadequações de tripulação rala, movida à castigos físicos (há meros 22 anos da Abolição!) e comida de baixa qualidade, além da falta de infraestrutura de apoio (não cabiam nos diques secos disponíveis), num país sem indústria de base, onde tudo conspirava contra a efetividade daquelas armas.

De fato, más comparações à parte, a adição dos oito  P-16E ao GAE, em projeto desde 1973, não contemplou o aumento de pessoal de manutenção e de voo, quer no PAMA-SP, encarregado de apoiar o "Projeto P-16", quer em Santa Cruz. Na verdade, nos picos das crises que se seguiram, os documentos consignam que a Embarcada teve que suprir o PAMA com mão de obra, desfalcando seus quadros, e sobrecarregando os que ficavam em Santa Cruz. Também não havia bancadas e instrumentos de manutenção adequados quando os aviões chegaram, e começaram a apresentar suas necessidades de manutenção. Este problema ainda projetou-se sobre o Minas Gerais que passava pelo seu grande período de manutenção e modernização, mas deveria contar com instalações de apoio aos aviões.

Bancada de manutenção dos radares dos P-16, faziam parte dos equipamentos de apoio no solo, ou, "GSE" (Ground Support Eqipment) como se referem a eles, os documentos da época. Em Santa Cruz, o Esquadrão de Suprimento e Manutenção da base era o encarregado do serviço, sob os cuidados do pessoal de eletrônica. Esta foto é de um daqueles magos, Ronaldo P. Malheiros, que chegou, mesmo, a embarcar conosco em algumas oportunidades.

O suprimento de peças de reposição, num instante, mostrou-se absolutamente inadequado. Os equipamentos que vieram instalados nas células logísticas, como material de "giro", foram consumidas num upa! E num instante a disponibilidade dos novos aviões despencou. Como a atestar a fragilidade da linha de suprimento de peças e componentes, entre NOV78 e MAI79 um dos nossos aviões, e pessoal, teve que seguir para os Estados Unidos, para servirem de inspetores, ou coisa parecida, para disponibilizar equipamentos nossos, encalhados lá, e terrivelmente necessários aqui! 

Há poucos anos falecido, o então Sargento Tadeu trouxe à memória dos veteranos, no FB, alguns detalhes daquela empreitada:

"A missão era: acompanhar a revisão, testes e recebimento, de equipamentos reparáveis dos sistemas anti-submarino, eletrônico e outros das aeronaves P-16E. Foram designados pela Portaria R-162/GM1, de 24 Out 78, os MAJ AV JOSÉ WALTER DE SOUZA TELLES, como Chefe da missão e 1S Q RT VO MARCOS TADEU DA ROSA BARBOSA, como técnico e secretário. Seguimos para a CAB /W (Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington) em 05NOV78 e tratamos de reunir e embalar no depósito da CAB/W (localizado no vizinho Estado da VIRGÍNIA) o material a ser remetido para a planta da GRUMANN em STUART. Tratava-se de cerca de 130 "caixas pretas" e outros equipamentos que se encontravam no Depósito da CABW e em outros locais, aguardando reparo há bastante tempo e sem perspectiva imediata de solução. Após acordo entre a FAB e a GRUMANN, decidiu-se pela formação de uma equipe que iria reunir todos os equipamentos em Washington/DC e acompanhá-los até a Planta da GRUMMAN em STUART/FL/USA, para dar cumprimento à missão. Estava também prevista a ida de uma aeronave P-16E (no caso o 7030), para servir como aeronave laboratório, para os vôos de teste e posterior recebimento e remessa ao Brasil dos equipamentos reparados. Os tripulantes eram o então MAJ AV SIDNEY BENÍCIO (CMT) e o então CAP AV LUIZ ALBERTO BRAGA RIBEIRO (TACCO - quanto a esse não tenho certeza) e como Operadores Eletrônicos, o 3S JOSÉ AUGUSTO DE ALMEIDA (JAU) e eu mesmo."

Enormes confusões, pra onde quer que se olhasse.

Pessoal da Embarcada em Stuart, infelizmente, por não serem meus contemporâneos, não os posso identificar.

O 7030, tendo vindo para o Brasil em DEZ75, voou de volta aos EEUU, em NOV78, para servir de bancada de testes e aferição de componentes dos sistemas de detecção, encalhados naquele país, sem alcançar a unidade. E a unidade de combate, vê-se desfalcada de meios aéreos e de pessoal, para satisfazer as necessidades do sistema de logística e suprimento. Imagem escaneada diretamente do negativo.

Na verdade, os P-16E que deveriam remediar a obsolescência dos P-16A adquiridos em 1961, por si sós, não puderam superar os problemas de infraestrutura da FAB, e a disponibilidade permaneceu abaixo mesmo dos aviões que vieram substituir. Contudo, aos poucos, empurrados pelas circunstâncias, foram sendo postos a voar, mas a indisponibilidade dos sistemas eletrônicos empregados na Guerra Anti-Submarino (ASW), não permitia voos operacionais na plenitude do termo. Sem voo, e com os sistemas operacionais restritos, não se podia dar continuidade ao treinamento dos Operadores Eletrônicos, bem como o treinamento dos pilotos nas novas táticas de combate ASW, que os novos equipamentos permitiam.

Nesta foto, o 7025 já havia sido convertido para o papel de utilitário, mas os seus irmãos P-16A, remanescentes de 1961, em virtude das deficiências no sistema de suprimento dos P-16E, adentraram a década de 1980 cumprindo missões ASW, com resultados cada vez mais pífios, como aparece nos Relatórios de Missão, em virtude da obsolescência dos seus sistemas, e das deficiências da sua própria rede de fornecimento de peças. Nesta foto, operação de "catrapo em terra", simulação de pouso a bordo de porta-aviões. Nestas ocasiões, visando resguardar o equipamento eletrônico das pancadas e solavancos, eles eram retirados dos aviões.

É bom sempre lembrar, que além das demandas operacionais, o GAE era responsável, também, pelo treinamento dos novos pilotos e operadores que se apresentavam na unidade. E isso consumia ainda mais horas de voo, e horas disponíveis dos exíguos equipamentos eletrônicos. Somente depois de muitos esforços da unidade junto aos órgãos superiores da FAB, é que se conseguiram (entregues no início de 1980) dois sistemas específicos (14-B-30 e 14-B-35) para a simulação de missões ASW, com fins de instrução, o que permitiu a economia de montanhas de horas de voo, e custos associados. e o mais importante: poupar horas de uso a aviões e equipamentos, para emprego durante os exercícios e manobras as mais variadas, onde o 1ºGpAvEmb tinha, de fato, oportunidade de afiar as suas habilidades na caça ao "Tirano escondido no fundo do mar", como diz o Hino da Embarcada. Afinal, avião de guerra tem que estar voando em combate, ou, em preparação para o combate. O contrário disso é desperdício irracional do dinheiro dos outros....

O console de controle do 14-B-30 permitiu, quase meia década depois da chegada dos primeiros P-16E, aumentar a flexibilidade na preparação das Equipagens de Combate da unidade. E era lindo de ver. Imagem de um diapositivo encontrado por aí.

À guisa de post scriptum: sobre as referências à esquadra de 1910, Revolta da Chibata, de Marco Morel. Mas eu também li, A Revolta dos Marinheiros, do Almirante Hélio L. Martins.