S-2E BuNo 152833... "Três-Cinco" para os de casa.


...uma das coisas do meu tempo de piá que eu prezo muito, até hoje, é a atenção aos detalhes, cultivado pela prática do plastimodelismo. Digo isto porque olhos mais apressados sobre a foto acima, nas vertiginosas andanças pelas mídias sociais destes dias, poderiam não ter notado o Bureau Number (BuNo) pintado na base da deriva do avião da VS-41. Pois não é que o BuNo deste avião estava entre os outros sete selecionados e adquiridos pelo governo brasileiro em 1974, sobre os quais se referiu a "Ata de Reunião Sobre o Programa S-2E", realizada em 02 e 03JUN75: "[...] a matrícula será P-16E; numeração: 7030/31/32/33/34/35/36/37 (começar pelo menor Bureau Number) [...]".

Esta imagem é na verdade uma reprodução de um diapositivo que eu descobri disperso entre caixas de auxílio à instrução do GAE, e tinha a data "1974" escrita a lápis no seu frame. E está aí, após desativado pela US Navy, o BuNo 153833, entre seus irmãos selecionados para vestirem as cores do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada. Aliás, o avião ao lado viria a ser o 7034.


A primeira foto do 7035 nas cores da Embarcada que eu tenho. Era DEZ76, quase um ano da sua chegada, num deslocamento para Manaus. No ano anterior, por esta época, haviam sido dadas por encerradas as operações contra as guerrilhas armadas no Norte. Certamente a presença de diversos tipo de aviões por lá devia significar um recado de vigilância. Mesmo para aviões destinados à patrulha marítima. Na verdade, as capacidades de Guerra Eletrônica do P-16 tornou-os, sempre, valiosos no controle de emissões eletromagnéticas. A foto é a reprodução de negativos que eu pude guardar, mas não tenho o nome do fotógrafo.


Pois obedecendo àquela decisão de conferir a matrícula da FAB observando a ordem crescente dos BuNos, coube ao nosso herói, justamente, receber o designativo 7035. Quando eu cheguei ao Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, em JUN88, recém saído da Escola de Especialistas de Aeronáutica (thcê, este nome "aeronáutica" me incomoda. Eu nunca admiti ser da "Aeronáutica", eu sempre fiz questão de dizer que fazia parte da "Força Aérea"! "Aéronáutica" é coisa de balonista, PLA, não de militar. Tenho dito.), o Grupo passava por um período terrível, devido ao desgaste dos motores, muito desgastados, e sem substituições e/ou suprimentos capazes de garantir, por vezes, mais de um avião voando, sendo que o Grupo operava 13 P-16A/E. Eu lembro, nesta época difícil, do Nogueira, o maior Especialista em Sistemas Elétricos do mundo, chamando o 7035 de "o Boeing", para referir-se à excelência, um avião "afinado", que dificilmente apresentava alguma pane. Parecia ter vida própria, como falou o Brigadeiro Rui sobre o "seu" P-47, o D-4, durante a campanha da Itália.

O 7035 no seu ápice, o "Boeing" da Embarcada, trazido para a segurança do convés de voo do Minas Gerais pelo OSP (LSO), T. Cel Sotto Mayor, então comandante do Grupo. Foto do Sargento J. Cruz, fotógrafo da unidade, em NOV89. Esta imagem, também é uma reprodução dos negativos do GAE que eu consegui preservar.


O 7035 com sua camuflagem final, menos conspícua, sem a grande área verde e amarela na cauda. O OSP (Oficial Sinalizador de Pouso), é o T. Cel Reale. Imagem tirada de uma tira de negativos avulsa, também dos rescaldos do GAE, após sua desativação, sem nenhuma outra informação quanto a data ou fotógrafo. O T. Cel Reale, grandemente respeitado pela tropa enquanto comandante, comandou o Grupo entre FEV93 e FEV95. 

Nada obstante esta garça teve seus momentos difíceis, conforme eu já tratei num dos artigos deste Blog, quando abordei o épico quase-acidente a bordo do Minas Gerais, em 21NOV84, que culminou com um pouso monomotor, e numa perna só, em Santa Cruz, como lembrou o veterano da unidade, Cardeal 146, Jader Neiva Mello:

"Lembro que eu também estava fazendo voo de 'catrapo' na ocasião. Fui orientado a acompanhar a aeronave avariada até a BASC. Durante o deslocamento pude observar que o trem de pouso esquerdo estava, realmente, 'girado' a 90º com o eixo do avião. Chegando em SC pousei primeiro e o 35 fez algumas passagens para que observassem o trem. Pouco depois foi reportado que o motor estava vibrando muito [as pontas da hélice chegaram a tocar o convés de voo, no momento do toque e quebra do trem ESQ] e fariam um pouso monomotor [...]"

Depois de quebrar a perna de força ESQ do trem de pouso, a bordo do Minas Gerais (reparem que parece a roda de um P-40 recolhida!), a tripulação conseguiu arremeter e rumar para Santa Cruz, para o pouso de emergência. Aqui ele realiza uma passagem baixa sobre a linha de voo, para que, do solo, se fizesse uma avaliação dos danos, tentando determinar um pouso de barriga, ou, numa perna só. A segunda opção, de acordo com a NATOPS, foi adotada, com o avião deixando a pista pela ESQ. Logo depois da foto a tripulação cortou o MOT1 (ESQ), devido à trepidação severa. Reprodução de negativo do GAE, sem informação do fotógrafo.

Na verdade, para sublinhar sua estirpe de valente guerreiro embarcado, sua carreira com as cores do 1º GpAvEmb terminou, para todos os fins práticos, a bordo do Minas Gerais, em 29MAR95, quando uma linha hidráulica rompeu no momento em que o avião estava em preparação a um voo:

"[...] O fogo começou na hora que comandamos a desdobragem da asa. Eu [o então T. Cel Souza Lima, comandante do Grupo], [...] Capitão Chã, e SO Aparecido. "

Eu estava sem  a minha máquina fotográfica quando soou o alarma de incêndio e o "Postos de Combate". Até que eu desobedecesse todos os protocolos e ordens para estas situações, e fosse pegá-la no meu armário, perdi qualquer imagem do fogo, mas consegui esta imagem interessante para ilustrar a emergência, com a correria para desenrolar as linhas de espuma e água. A partir do talabardão da catapulta, olhando para a popa do Minas Ferais.


Fogo quase extinto, equipe de resfriamento protegendo o pessoal perto do fogo, reparem na fumaça saindo pela porta do trem de pouso.
O cavalheiro no centro da foto é o então Sargento Eduardo. Não deixa de ser comovente ver caras tão jovens, e que nós conhecíamos tão de perto, agindo com a presteza necessária diante do imprevisto, do perigo iminente. Ele, hoje, acumula mais de 4000 horas de voo nos C-130. repare no negrume da roda e nacelle. O fogo teve que ser combatido de baixo para cima, no interior do alojamento do trem de pouso.

Sobre este incêndio, é do então Sargento Wagner, da Seção de Hidráulica do Grupo o registro: 

"Quando o fogo começou eu estava dentro da aeronave, atendendo a um chamado do SO Aparecido, que havia esquecido uma bagagem de mão. O SO Wellington (Neném) [sic... os apelidos no GAE merecem um capítulo por si sós] foi quem me puxou gritando - Sai daí, novinho!! A primeira visão que eu tive, claro, foi a do fogo subindo pela nacele esquerda, mas interessante mesmo, foi o salto quase que sincronizado dos dois pilotos, Cap. Chã e T.Cel. Souza Lima, pelas respectivas janelas de abandono!"

E deste sinistro, o 7035 nunca mais se recuperou. Era um embarque que teve Salvador como porto intermediário, e ao voltarmos ao Rio de Janeiro, ele ficou a bordo, impedido, por óbvio, de decolar novamente.

Danos externos ao 7035 causados pelo fogo. Fotos dos arquivos dos fotógrafos do GAE, mas sem autoria. Contudo, à época, o profissional da unidade era o então Sargento Carlos Alberto.

Nada obstante, os reparos foram realizados por uma equipe de manutenção do GAE, que respondia ao expediente a bordo do Minas, atracado na Ilha das Cobras. Reparos suficientes para a realização do voo (sem recolher o trem de pouso) para o Parque de Manutenção de São Paulo (PAMA-SP), de onde não mais saiu até a desativação da frota, dali à alguns meses, em 30DEZ96 (sobre este dia, também, há um artigo aqui).

Após a desativação, em algum momento o 7035 foi retirado do PAMA e levado para São José dos Campos, inteiro. De acordo com o Coronel Souza Lima, Cardeal 165 (o último oficial que comandou a unidade enquanto ainda realizando operações embarcadas):

"[...] a principio seria utilizado pela Embraer no projeto dos P-16 da Marinha. Como o projeto não foi para frente, naquela época, ficou largado próximo ao aeroclube."

Dono do seu próprio avião, o Cardeal 149, Cel. Walkyr, que tinha um manche de P-16E como volante do seu Opala registrou durante um dos seus voos:

"A garça estava bem na saída do pátio da [sic] ACS[JC], que fica do lado da pista, na cabeceira 33[...]"

O 7035 em São José dos Campos, SP, por volta de 2010. Não tenho certeza, mas esta foto pode ter sido enviada pelo meu amigo André Boni.

O 7035 ainda em São José dos Campos, foto pescada da Web, de Eder Avelino.

De qualquer maneira, o emprego previsto para o 7035 após sua desativação parece que esgotou-se, e o avião ficou abandonado, à mercê dos elementos, até que alguém, por algum motivo, tirou-o de lá, ainda segundo o Cel. Souza Lima:

"[...] O 7035 foi retirado do pátio do aeroclube de SJC e desmontado; inclusive conseguiram tirar a seção central da asa, e estava sendo recuperado. Belo trabalho. Eu saí de SJC há dois anos e não sei como ficou nosso velho amigo (7035)."

Em algum momento o 7035 foi desmontado, e um esforço por remontá-lo seguiu-se, quando ele foi anunciado para a venda NOV2017. Foi do anúncio que veio esta foto, e eu não tomei nota de mais indicações, infelizmente. 


Em 2019, em algum lugar da Web, Marcelo Henrique Wolfart publicou esta foto, junto com outras, anunciando que Porto Alegre ganhara um P-16. Por exclusão, só poderia ser o nosso 7035. 


Numa noite de AGO21 eu fui checar a posição do 7035, mesmo que só do outro lado do muro. Eu gritei: "- Três-Cinco! Sou eu! o Thiesen!! e eu tenho certeza que ele me ouviu. Pode-se ver, em laranja, a ponta da cauda de um 737, também na mesma área

A verdade é que o 7035 acabou sendo posto a venda, e assim apareceu em anúncios na Internet, até que alguém acabou divulgando que ele havia sido adquirido, e, remontado, estava colocado numa propriedade particular, perto do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, RS. Fui até lá, claro, e me certifiquei da presença dele, e, há dias, seu proprietário fez contato comigo, me informando de que precisara cortá-lo, devido a problemas de espaço. ele tem planos para transformar a fuselagem em um simulador de voo, ao que me resta desejar toda a felicidade na perseguição deste projeto. Também me enviou a foto que fecha este artigo, de uma maneira algo melancólica, por ver o resistente BuNo152833 picado, mas consolado que algo resta e deverá contribuir para preservar e contar a história deste grande (e querido) avião.

A aparência atual do velho 7035. Não declino o nome do proprietário por questões de respeito  da privacidade, o paciente leitor haverá de perceber.


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