Tudo que é complicado de dia, só pode piorar no escuro. O GAE e os pousos noturnos a bordo.

Eu tirei esta foto em alguma noite de dezembro de 1995, na nossa perna de retorno da Argentina, durante a ARAEX daquele ano. Era o embarque 119 do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada. Assistir ao taxi dos aviões no escuro, guiados apenas pelo movimento das lanternas dos orientadores, enchia até mesmo o coração mais gelado de pura admiração.


 ...desde que eu acabei como um "administrador ad hoc" do grupo de veteranos do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, por obra do criador do grupo, o J. Vaz, eu comecei a guardar os relatos e memórias que apareciam por lá. Depois foram os grupos de Whatsap, e outras mídias. É em função disto que eu sei, por intermédio do Brigadeiro Assis, Cardeal 34, um dos "founding fathers" do Grupo, que o treinamento nos Estados Unidos não se deu de maneira completa. Os problemas políticos em Brasília durante 1961 forçaram o retorno do Grupo ao Brasil, sem que os Cardeais (voando P-16) e os Anujás (voando os helicópteros H-34) tivessem o treinamento para operações aéreas embarcadas à noite. A lástima para este artigo, é que eu não encontrei a transcrição desta declaração do Brigadeiro Assis, a quem recorro para as emendas ou correções que ele julgar necessárias.

A perspectiva das tripulações que se aproximam do seu porta-aviões a noite é mais ou menos esta, as pequenas luzes do convés de voo (que só se projetam para frente, ou, para trás, nunca para os lados, para não chamar a atenção de submarinos inimigos), e o próprio painel de instrumentos do avião, iluminado por luzes vermelhas. Foto da revista Approach, de MAR74.

A aparência do navio nas escuridões infinitas do Mar Oceano. Note o querido leitor que, à ESQ, aparecem as luzes do Espelho de Pouso, com seus braços de luzes azuis de referência, e a "Bolinha", âmbar, no meio. Na imagem, a julgar pela posição da Bolinha, o avião está um pouco acima da rampa, a linha descendente imaginária na qual o piloto deve colocar o seu avião, para que seu gancho atinja o convés na área dos cabos de frenagem. Approach FEB72.

De todas as formas, três anos após o primeiro embarque no Minas Gerais (22JUN65), em 1968, as limitações causadas pela falta de capacidade de operar a noite por certo já estavam exercendo alguma pressão principalmente quando em operações conjuntas com a Marinha dos Estados Unidos (US Navy), oportunidade de frequência anual, por conta das Operações UNITAS. É bom lembrar que no contexto da Defesa Hemisférica, conforme ditado pela Guerra Fria, a doutrina operacional da Marinha do Brasil, a quem o 1º GAE servia, era a mesma da US Navy. Doutrina e manuais de combate previam a condução de operações 24/7, portanto, sem interrupção por falta de luz do dia.

Estas duas fotos em sequência, são as fotos noturnas datadas mais antigas que eu tenho, são de 1971, digitalizadas do "Histórico Fotográfico" do GAE pelo Monteiro, Atahyde e Fonseca, fotógrafos do 4º/7º GAv. Repare no orientador, à frente do 7023, brandindo suas lanternas. Os pilotos, especialmente quando taxiando para ré do convés de voo, veem muito pouco além delas. É preciso obedecer cegamente às suas instruções; literalmente. O avião devia ser girado 180° para a DIR, muito (MUITO) próximo da borda do navio.

A ilha do Minas Gerais era orlada por "Flood Lights" âmbar/vermelhas, de intensidade controlável. Quando perto da ilha, aumentava o conforto para o taxi. Ou melhor: era menor o desconforto...
 
O pouco que eu pude levantar sobre o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada e as operações aéreas embarcadas noturnas é que, na UNITAS IX, de 1968, o comandante do Grupo o T. Cel Thales de Almeida Cruz, Cardeal 76, realizou uma missão noturna junto do esquadrão VS-24, operando os mesmos S-2/P-16 (se bem que os americanos já operavam os modelos D/E), a bordo do USS Randolph. Pois em 16AGO68, ele próprio, o T. Cel Cruz, e o Maj. Iale, Cardeal 024, a bordo do P-16 7020, realizaram o primeiro pouso noturno da Unidade, a bordo do Minas Gerais, ainda que apenas em em caráter experimental. Não haverá de ofender o distinto leitor, saber que foi justamente na UNITAS IX, também, que a Embarcada voou pela primeira vez contra submarinos atômicos (o que começou a acender todas as luzes de aviso quanto à obsolescência dos nossos P-16!).

O Oficial Sinalizador de Pouso (LSO, em inglês), é o responsável por trazer o piloto em aproximação numa trajetória segura até o navio, mesmo (principalmente) à noite. O método de comunicação entre ele e o avião que se aproxima, na Embarcada, era a fonia, mas em outros tempos, esta comunicação era visual. Eu vi nas dependências da Seção de Equipamento de Voo do GAE, uma roupa de OSP destas, cheia de soquetes de lâmpadas incandescentes, mas não sei se algum dia foi de fato usada pelo nosso pessoal. Uma pena que tenha se perdido.

Esta foto, e a precedente, foram feitas por J. R. Eyerman para a LIFE, a bordo do USS Shangri-La (CVS-38), ainda na década de 1950. Reparem que em ambas, os aviões são os mesmos S2F, os P-16, do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada.

A partir daí, a verdade é que as operações noturnas acabaram por incorporar-se às práticas do 1º GpAvEmb. A continuidade e repetição transformou em rotina voar no escuro, confiando apenas nas luzinhas, como se pode depreender das fotos que acompanham este artigo. Eu mesmo, que cheguei na Embarcada sem pertencer ao Quadro de Tripulantes (QT), pois minha especialidade não tinha função a bordo dos P-16, acumulei, voando de "saco" (peso morto), um pouco mais de cinquenta ganchos (eu não tenho a contagem precisa), sendo que trinta e quatro (eu não sei porque eu tenho esta contagem precisa) foram noturnos. De fato, ao ter suas portas cerradas enquanto unidade aérea embarcada, em 1996, o GAE contava com 2.674 ganchos noturnos.

Esta imagem compõe um conjunto de três slides que eu encontrei numa caixa contendo material didático, para a formação dos novos elementos que eram transferidos para a Embarcada, Nos seus frames tinham marcada a data de MAI72, uma operação Pré-UNITAS.

Mike Ray foi piloto de S-2 na US Navy, e escreveu um livro chamado "Stoof Driver", ele escreveu sobre o pouso a bordo noturno (e eu traduzi) à página 92: "[...] conforme cai a escuridão, a dificuldade da operação [embarcada] aumenta dramaticamente. Pessoalmente eu acho que o stress e o desafio da operação de pouso noturno excedia o que quer que nós fizéssemos numa 'missão' [...] Não importa o quão cansado tu estivesses no retorno ao navio, uma vez no tráfego [de recolhimento], o teu corpo te bombeava com um grande fluxo de adrenalina, e tu ficavas imediatamente em um nível muito alto de atenção. Era uma experiência verdadeiramente incrível."

Eu fiz esta imagem entre 5 e 7 de MAR96, no embarque 121, onde aparece a parte final do tráfego "Charlie" a rampa executada pelo P-16 até o gancho, e o seu movimento para a frente do navio.


No mesmo embarque 121, a ilha fotografada com velocidade alta.

Da mesma posição que a foto anterior, com a velocidade ajustada para as condições de pouca luz. Reparem na luz vermelha que emana dos ambientes envidraçados da Torre de Controle (TWR) e do Passadiço. Ao pôr do Sol, o navio obedecia à ordem de "Escurecer o navio", de maneira que o grande porta-aviões ficasse o menos conspícuo à preação inimiga.


Comentários

  1. Essas fotos noturnas são muito boas!

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    1. ...só não são mais bonitas do que o espetáculo ao vivo. Mas fcam lindas, sim, Arthur...

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