Sobre tragédias no mar, e sobre como não se pode acreditar demais no Dorival.



 ...era o dia 18SET90, e o Minas Gerais havia deixado a Baía da Guanabara há poucas horas. O "Pão de Açúcar" ainda estava discernível na bruma úmida. Eu estava guarnecendo a equipe do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada de serviço no convés de voo (Convoo) desde que soou o toque de "guarnecer postos de voo". Perto do meio dia, um pouco mais ou um pouco menos, eu fui rendido para ir almoçar e, antes de deixar o convés de voo pelo talabardão da catapulta, sob a sombra de um P-16, eu fotografei o Super-Puma da Aviação Naval N-7072 decolando do "voo dois".

De volta ao convoo aguardando o reinício da atividade aérea, fui até o P-16E 7032 que já estava "espotado" para a decolagem livre, lá à ré, e a bombordo do navio. Sentei na cadeira do copiloto, na direita da cabine (a cadeira do 2P - o piloto, no assento da ESQ, nós chamávamos de 1P), e percebi que uma equipe do convés, orientador e os marujos dos calços e peias, se preparavam para receber um helicóptero.

Repare que à ré do Esquilo, na faixa central da pista de pouso, está orientadores (camisas amarelas) e peiadores (menos visíveis, de camisas azuis) que deveriam receber o N-7072. 

Logo me coloquei de pé sobre a cadeira, com meio corpo para fora da respectiva saída de emergência, a fim de tirar umas fotos (não me restavam muitas no rolo - é; naquele tempo se dependia de máquinas com rolos de filme dentro, para obter fotografias). Pois era o mesmo N-7072 que eu fotografara ao ir almoçar e, sem que eu soubesse, já havia declarado emergência e fazia a aproximação final para o que deveria significar um retorno à segurança do navio.

Na minha ignorância fiz a primeira foto quando ele estava no través do 7032, e no momento em que eu abaixava a máquina fotográfica da altura dos meus olhos, o rotor de cauda dele simplesmente se desfez, ali, na minha frente! A impressão que guardo até hoje, é a de um balde de papel picado sendo lançado no ar. A coisa simplesmente se desintegrou. A empenagem, pela vibração causada pelo rotor desmantelado e desbalanceado, rasgou-se num 'upa', e ficou pendente pelos cabos "teleflex" que servem para transmitir os comandos dos pilotos até o rotor.

No mesmo instante o helicóptero entrou em auto rotação para bombordo, o lado contrário ao do navio (para a minha sorte, porque ele teria caído em cima de mim, se a auto rotação o trouxesse para boreste). Naquele momento infernal, que ainda me parece ter durado uns 47 minutos, eu levei a câmera fotográfica de volta aos olhos, numa corrida para tirar todas as fotos que e pudesse.

Apesar de ter visto tudo pelo visor, O sol entrava livremente pelo nariz transparente, e eu lembro de ver os pilotos retesados contra os assentos, cabeças comprimidas contra os encostos, se preparando para o impacto.

Morreram afogados o piloto e o mecânico de voo, tendo escapado o "fiel" da aeronave e o copiloto. Eu juro que vi um cara aparecer na água, pelo lado da porta de carga de boreste (que estava a bombordo, pois o "heleutério", como dizia o Nogueira, estava invertido, de cabeça pra baixo), mas ele sumiu em seguida. Foi uma tarde e noite de novidades e duro aprendizado aquelas. Destas fotos eu não tenho os negativos, pois ao chegarmos a Santa Cruz, eu os entreguei ao Capitão Haicki, Chefe do Material, na intenção de colaborar com a investigação do sinistro. Mais tarde eu soube pelo então Major Souza Lima, sempre o mais distinto dos mortais, que a Marinha agradecera por eles. Não deixo de me sentir ainda, um pouco orgulhoso. Seja como for, pensando na contundência fria do ocorrido, eu digo desde então que o Dorival Caymmi está completamente enganado: não há nada de doce em morrer no mar... nas ondas verdes do mar...

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