Assim como a moela da galinha: de grão em grão se enche a história. Com muita alegria.

... após a extinção do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada eu pude juntar algumas caixas com slides, sem muita preocupação com o que contivessem, movido apenas pela angústia de preservar o que eu pudesse, dos escombros das instalações do GAS. O "GAS" (Guerra Anti-Submarino; ASW, em inglês), era um prédio distante do Hangar; ali o 1º GpAvEmb mantinha um importante laboratório de línguas, e os seus não menos relevantes meios instrucionais de simulação de missões ASW. Aquele espaço, originalmente tão bem cuidado, que fazia lembrar as instalações da Marinha dos Estados Unidos (USN) conforme aparecem em filmes, estavam transformados num cenário "indoor" de qualquer filme pós-apocalíptico, com paredes derrubadas, forro desabado unindo pilhas de "lixo" e luz entrando só pelas aberturas dos ausentes aparelhos de ar-condicionado. 


O GAS não abrigava um simulador de voo, no sentido atual do termo. Era um simulador de missão, o inolvidável 14B30, pensado para treinar os pilotos nas funções do Controlador Tático (COTAT), a partir do emprego do ASN-30. Era um computador analógico instalado nos P-16E (o grande quadrado no centro do painel do simulador) que facilitava a leitura dos dados táticos coletados pelo avião, na caçada aos submarinos submersos. No "assento do 2P" (copiloto), está o então Major Terroso. Futuro comandante da unidade. Em primeiro plano, o Capitão Correia.

Como qualquer ambiente que abrigue equipamentos eletrônicos pesados, a sala do 14B30 exigia um sistema eficiente de controle de temperatura. Esta era uma marca daquela sala, que livrava a todos das temperaturas senegalesas dos grandes pátios de concreto de Santa Cruz. Operando o console de controle de exercício, o Sgt J. Augusto, observado pelo Sgt Aparecido. Ambos, homens que em combate, teriam dado muito trabalho a qualquer submarino hostil que rondasse por baixo dos aviões deles. De frente para a câmera, o Capitão Correia, de novo.


Quando eu pude investigar o conteúdo destas caixas, que pertenceram à Seção de Instrução da unidade, encontrei os diapositivos primorosamente guardados, separados por aula a ser ministrada, nas caixas de alumínio feitas sob medida. Percebi que entre as imagens e descrições esquemáticas dos vários sistemas dos nossos P-16 a serem projetadas, contudo, escondia-se um tesouro. De fato, entre os slides das aulas havia imagens internas e externas de aviões S-2 da Marinha dos EEUU (USN) que, se tomados independentemente, tinham apenas uma função ilustrativa para cada uma das aulas. Contudo, reunidos fora do seu papel didático, eles pareciam informar bem mais do que seria possível deduzir de um relance.

É discernível o último algarismo do Bureau Number (BuNo) na cauda do avião, um "5". Somente um S-2E adquirido para o 1º GpAvEmb, incluindo as célula "logísticas", tinha o BuNo terminado em "5". Poderia este ser o BuNo 152845, o futuro FAB 7037?


Portanto, apesar da dispersão original, comecei a organiza-los, tentando algumas aproximações, utilizando as datas impressas nas molduras, as anotações eventualmente feitas à mão e os próprios objetos fotografados, procurando dar-lhes alguma significação. Daí que pude reunir um grupo evidentemente de 1974 e 1975, quando militares do Grupo estiveram em instalações da USN para selecionar as células dos S-2E (os futuros P-16E da FAB) que seriam adquiridas pelo governo do Brasil. Ora, pelo menos desde 1971 o 1ºGpAvEmb enviava às autoridades competentes a menssagem de "[...] imperiosa necessidade de reequipamento [da unidade] [...] (conforme as "Considerações Preliminares Que Motivaram o Estudo de Estado Maior 01/71 do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada). Desgaste da frota e a irremediável obsolescência dos P-16 incorporados em 1961, ditavam a iniciativa.

O Buno 152840 ainda com as cores da VS-30, a unidade da USN encarregada de formar as tripulações dos S-2 para o serviço na Esquadra Americana. Ele acabou sendo selecionado para aquisição pelo Brasil, mas sua função seria simplesmente fornecer peças de reposição para seus irmão destinados ao serviço operacional na unidade. Ele veio de navio para o Brasil.


Alguns slides, marcados com a data "JUN75" sugeriam ser da linha de voo da VS-30, em Cecil Field, na cidade de Jacksonville, Florida (Na verdade, foram identificadas como sendo das instalações da unidade encarregada da revisão e montagem dos aviões que viriam para o Brasil). A VS-30 era o esquadrão da USN que preparava as tripulações dos S-2E/G para o serviço operacional na USN, e o fez, também, com os pilotos da Embarcada, preparando-os para operarem o novo modelo no Brasil. Um parêntesis: na FAB, o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada tinha que treinar seus próprios tripulantes, o que cobrava um preço enorme em termos de manuteção e desgaste dos equipamentos e dos aviões. Claro, maiores os desgastes, pior a situação do equipamento para o cumprimento das missões operacionais, com perdas na eficiência. Fim do parêntesis. Na verdade, o VS-30 já tinha ligações com a Embarcada, segundo as lembranças do Brigadeiro Assis,  Tenente Assis, em 1960, conforme registradas na página dos veteranos da unidade, no FB: "[...] em 1960/61 o VS -30 era um esquadrão vizinho ao nosso [o 1º GAE, em formação e treinamento, lá nos EEUU], na "Boca Chica NAS" (Naval Air Station). A missão era a mesma e fazíamos operações juntos. Os nossos instrutores eram de um grupo formado para a tarefa de montagem do GAE. O grupo era o CSG-50 e foi dissolvido quando encerramos nossa operação nos Estados Unidos".

De acordo com o então Capitão Dominguez, estes S-2E/P-16E não estão em Cecil Field, lar do VS-30, mas nos pátios da NARF Jacksonville, onde os aviões selecionados foram revisados e padronizados com os equipamentos especificados pela Força Aérea Brasileira. Como a FAB exigia que os seus aviões não proviessem dos estoques armazenados, mas que fossem retirados diretamente das unidades operacionais, conforme fossem sendo desativados, fica tentador pensar que nesta linha estejam muitos aviões que acabaram vindo para o Brasil.


Pois novamente, em 1975, o VS-30 se ligava à história do GAE, na medida em que esta unidade foi a responsável pela adaptação e treinamento dos pilotos da Embarcada que trariam os P-16E para o Brasil. De acordo com as lembranças do então Capitão Dominguez, no FB: "O VS-30 era realmente o esquadrão de instrução de S-2E. Lá tivemos aulas teóricas, simuladores e voos de instrução. Era sediado em NAS Cecil Field. O treinamento durou quatro meses e meio e foi feito de Março a Julho de 75, em aviões americanos."

Foto da capa de um dos documentos da VS-30 que acabaram vindo para o Brasil, entre 1975 e 1976, e que eu pude livrar da reciclagem. Reparem que está ornada com o padrão de diamantes em campo vermelho, que identificava os seus aviões, conforme aparecem nas fotos acima.


Por sua vez, o então Sargento Orlando lembrou durante o nosso "papo" pelo FB, que além da formação dos pilotos, os "[...] cursos de manutenção de comunicações, ASW e navegação também foram feitos na NAS Cecil Field, e as aulas práticas foram numa outra unidade próxima, em Jacksonville mesmo. Esta fase, utilizando-se as bancadas, era feita à noite, das 19:00h às 21:00h, mais ou menos". Além dos cursos de manutenção, outros militares foram realizar os cursos de Operadore Eletrônico (OE). Os OEs eram os membros das tripulações de voo que empregavam os equipamentos de busca, localização e identificação, a bordo dos aviões. Eram treinados para interpretar e transformar em dados úteis à caçada, os dados fornecidos pela parafernália eletrônica. O Capitão Dominguez lembrou  do "[...] esforço que todos fizemos para levar a bom termo o curso de OE. A US Navy não deixava os graduados levarem o manual de ASW para o alojamento, porque eram classificados como documentos Secretos. Tínhamos que ir estudar à noite, na sala de aulas do FASOTRAGRULANT, sob supervisão de um dos instrutores e, ao final do horário de estudo, devolver o manual para ser guardado no cofre."


Outro documento da VS-30 que eu pude preservar, ligado à formação dos mecânicos do 1º GpAvEmb. Tolamente, eu fiz marcações à caneta neste tesouro, que pertenceu ao Suboficial Adriano (então, Segundo Sargento), militar grandemente admirado por toda a unidade.


De fato, mesmo sendo piloto, o próprio Cap. Domingues, e os sargentos Artur, Carlos Henrique e J. Augusto "[...] fizeram o curso de OE, muito bem assessorados pelo muitíssimo competente Cap. Dominguez. Profundo conhecedor da língua inglesa", conforme o Sargento Orlando. A importância da contribuição do Cap. Dominguez foi confirmada pelo testemunho do então Sargento Artur, junto aos veteranos; segundo ele, foi "[...] tão importante que no último voo de instrução em Cecil Field eu voei apenas com pilotos americanos. Temos plena convicção que o sucesso da missão se deveu ao grupo que o Cap. Domingues soube unir!".

Finalmente, já vestido farda da FAB, os P-16E deixam Jacksonville rumo ao Brasil, em 17DEZ75. O 7033 inicia o taxi, seguido pelo 7030, que haveria de ser o P-16 mais voado entre nós, tendo ultrapassado a marca das 10 mil horas (um terço do que os S-2 podiam voar). Encoberto pelo "Três-Três" está o 7031, e no ferrolho, o 7032. 

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