Acidentes com aviões, Teoria do Dominó, e a Embarcada no meio disso tudo.
...Quem se dedica a estudar os assuntos relativos à Segurança de Aviação conhece bem o paralelismo que se traça entre os acidentes com aviões, e a conhecida brincadeira com as pecinhas de dominó, postas em pé, uma atrás da outra, para que sendo a primeira derrubada, esta caia provocando a queda das subsequentes. O paralelo com a prevenção de acidentes aeronáuticos é evidente: evitando-se que apenas uma das peças caia e/ou atinja a próxima, está encerrado o ciclo, e as peças deixam de cair; ou, no caso dos aviões, detendo-se um, tem-se interrompida a sequência de eventos que criariam as situações/condições nas quais poderiam ocorrer um acidente. De fato, na maioria dos acidentes, a "posteriori", pode-se identificar alguns fatores que contribuíram para que ele acontecesse; admite-se portanto que, se fosse possível sustar um, ou mais destes fatores, como quem impede uma das peças de dominó de atingir a que lhe está próxima, poder-se-ia evitar que se chegasse ao acidente. Pois o evento no qual o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada perdeu o P-16A 7026, faz saltar aos olhos a validade da "Teoria do Dominó" (Embora eu acredite que o mais correto seria chamar de "Teoria das Peças do Dominó", porque, afinal, Dominó é um tipo de jogo no qual as peças nunca caem... salvo se caírem da mesa).
Vejam, era o embarque (iniciado em 14ABR80) no qual o 1ºGpAvEmb retornava às operações a bordo do Minas Gerais, que vencera o longo período de manutenção e modernização, iniciado em 1974. Neste interregno, os pilotos da Embarcada só tiveram contato com um convés de voo, em JUN77, durante a "Operação América". Naquele evento, alguns pilotos puderam se requalificar, e outros alcançaram suas qualificações, a bordo do USS América CVA-66, que singrava águas brasileiras. Ainda que os "Catrapos" em terra, ou seja, as simulações de pouso em porta-aviões realizados em Santa Cruz continuassem com a regularidade necessária, ninguém se atreveria a dizer que o pouso em Santa Cruz poderiam reproduzir as circunstâncias a bordo. Pois foi nestas circunstâncias, dois dias depois do início do embarque, no dia 16ABR80, portanto, que deu-se o acidente. "O avião estava muito alto. Tive a impressão de que avião não pegaria nenhum dos cabos" disse um dos Sargentos da unidade aos investigadores. Da mesma forma, um dos pilotos do GAE, que acompanhava a operação a ré da ilha, observou "[...] que o avião estava alto na rampa [...] após o corte, o avião mergulhou para o convoo [o convés de voo], tocou de bequilha - vi a bequilha quebrando [...]". além disto esta e outras testemunhas indicaram ter percebido algum problema em relação ao alinhamento do avião para o pouso.
O Oficial Sinalizador de Pouso (OSP), que guiava o procedimento de pouso, deixou consignado que com a sua ordem de corte (ao ouvirem a ordem de corte -"Cut-Cut" - dos OSPs, os pilotos devem reduzir por completo a potência dos motores, permitindo ao avião "afundar" e tocar o convés de voo na área dos cabos de parada) "[...] o gancho pegaria o cabo três (3). Entretanto pegou o cabo 1 (sic) talvez por excesso de vento, antes do toque; talvez por baixar o nariz ou talvez a subida do navio." Curiosamente, e serve para salientar as dificuldades que marcam a tarefa do investigador, um oficial de Marinha declarou algo diametralmente oposto, disse ele ter percebido "[...] a aproximação diferente da maioria - muito baixa e com perspectiva de arremetida." Seja como for, na reconstituição do acidente, o investigador afirmou que após o corte do OSP, com "[...] direção e intensidade do vento no convoo, balanço e caturro do navio [...] satisfatório [...]", o 7026 "[...] voou até o convoo e o tocou com os trens principais e bequilha ao mesmo tempo [...] uma vez que o piloto estava preocupado com o seu alinhamento "[...] deixando o nariz um pouco mais baixo que o normal. O ceder o nariz próximo ao toque concorreu para uma chegada mais cedo ao convoo, o que explica o motivo pelo qual a aeronave pegou o cabo de parada nº 1. [...] o toque com a bequilha foi bastante forte [...] a bequilha quebrou."
Ora, haverá de perguntar o leitor mais ágil, sempre atento e inquiridor, os P-16 não eram aviões dimensionados para suportar grandes esforços, característicos dos pousos a bordo de porta-aviões? Sem dúvida! responderíamos nós, absolutamente convencidos da solidez dos aviões da nossa unidade; mas é que, a análise posterior das peças quebradas do trem do nariz do 7026, evidenciou o que pode ter sido a peça de Dominó seminal deste acidente. Verificou-se na verdade, que um dos pinos de fixação/articulação do trem dianteiro à fuselagem, estranhamente, apresentava uma rachadura preexistente, revelada, denunciada, pela existência de traços de ferrugem em suas superfícies. Esta peça assim enfraquecida, recebendo o grande esforço de baixo para cima que resultou do choque com o convés no dia 16ABR80, determinou a sua quebra e o colapso do trem de pouso, e a sequência catastrófica dos eventos que determinaram a baixa daquele avião. Uma consulta aos registros de manutenção do 7026, de fato, encontrou um "Relato de Iincidente", de 12FEV79, no qual se registrara que durante a realização de operação "Catrapo" em terra, o trem de pouso do nariz recusou-se a recolher, após sofrer repetidos choques com o solo. Ora, numa atitude normal, durante os pousos, é previsto que as rodas do trem principal toquem o solo primeiro, para absorver o máximo da energia do retorno à terra. Pois bem, em FEV79, os esforços exagerados a que o trem do nariz do 7026 foi exposto, a par de fatores mais evidentes do mal funcionamento, para os quais foram sugeridas medidas corretivas, não se procedeu à análise da integridade dos pinos de fixação/articulação do mesmo. A peça de Dominó número um do acidente em questão, estava posta em pé, portanto, pronta para derrubar as que lhe viriam em sequência, e foi o que ela fez; ninguém a retirou da mesa, e no momento oportuno ela derrubou as peças que se lhe agruparam, eventualmente, em sequência; é o caso, por exemplo, da falta de "embocadura" das tripulações, e o longo tempo de afastamento da unidade, das operações aéreas embarcadas. E desencadeou-se o acidente. E nós perdemos o 7026.
Já muitos anos depois de extinto o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, e muitos mais da perda do "dois-meia", processando alguns salvados do rescaldo que fiz, por anos, pelos escombros da unidade, encontrei um envelope com negativos feitos pelo sargento Aguiar, de FEV80 (dois meses antes do acidente final), revelando que o 7026, antes do embarque fatídico, teve ainda algum problema com pousos duros. Não tenho, infelizmente, mais detalhes sobre este episódio...
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