A Ceia dos Cardeais. Tradições do 1º GAE.


 ...a "Ceia dos Cardeais" era uma das marcas registradas do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada. Uma tradição bem alicerçada. Como toda boa tradição, ela foi uma invenção que, com o tempo, fixou-se na vivência da unidade, na forma de uma celebração anual, destinada a rememorar a chegada do 1º/1º GpAvEmb no Brasil, depois do prolongado período inicial de treinamento, nos Estados Unidos. Digo "prolongado", considerando que aquele período foi, na verdade, abreviado pelas injunções do mundo político brasileiro (Não é de hoje que os círculos do poder - "poder", que deveria emanar do, para e pelo "povo"- não se importa em retardar bocados dos avanços da cidadania, em função de suas loucuras e mesquinharias).  Nada obstante, de fato, no dia 28JUN61, em Belém (PA), fizeram escala em solo brasileiro os P-16 da primeira esquadrilha que transladou estes aviões para o Brasil. A data deu ensejo não só ao surgimento do termo "Cardeal" (usado na fonia, para identificar os aviões do Grupo, bem como aos seus pilotos) como, mais importante para os fins deste artigo, o culto à efeméride da qual tratamos.


Em 28JUN94, depois de uma recepção com algumas coisas para mastigar (Quem conhece o Rio, sabe que é preciso madrugar para estar em Santa Cruz às 08:00P), os presentes foram recepcionados no Brifim Dois (do 2º/1º GpAvEmb; repare no lema do Esquadrão, "Fique Tranquilo!!!", acima do quadro), pelo TCel Reale, comandante do Grupo (na foto acima). 

Nesta foto, o Brig, Assis dirige-se aos seus confrades Cardeais. O Brig. Assis esteve nos EEUU durante o treinamento do Primeiro Esquadrão,  e foi o auxiliar do OSP (Cap Acioly), durante os primeiros pousos dos aviões do Grupo no Minas Gerais. Todos os anos, a organização da Ceia sempre providenciava a execução de algumas encenações que retratavam passagens, ou, personalidade da Embarcada. Coisa para que os recém chegados à unidade, os "novinhos", pudessem passar alguma vergo... quer dizer, estimulá-los a vencerem suas inibições.

Depois das amenidades, a preparação para as coisas sérias: brifim para o voo das múmias. Em 1994, aparentemente não houve catrapo, e apenas o Brig. Becker voou. Da ESQ para a DIR TCel. Reale, respeitadíssimo, e sempre celebrado, comandante da unidade à época. Outro distinto e combativo oficial, o então Cel. Quírico, comandante da Base Aérea de Santa Cruz; o Brig Drummond, na primeira fila, ao lado do Cardeal 01, vestindo o macacão de voo. Não conheço o cavalheiro ao lado do Cel. Quírico.

Nenhuma "tradição" é fruto da geração espontânea; nenhuma nasce e estabelece-se "per se". Necessariamente elas PRECISAM ser construídas. E é o que resulta da análise do sobrevivente álbum "Histórico Fotográfico" do GAE, do qual eu tenho fragmentos digitalizados. A primeira evidência que surge da análise daquela "fonte", é que a Ceia não começou a ser celebrada logo depois de 1961 no âmbito do Grupo (o que não exclui sua realização, em caráter reservado, dos Cardeais, conforme fica sugerido dos depoimentos do Brig. Becker, no livro "Os Cardeais", de Barros & Barros). Ora, o 1º GpAvEmb, até o início de 1965, era composto dos "Cardeais" (1º/1º GpAvEmb) e dos "Anujás", o Esquadrão que operava os helicópteros do Grupo, o 2º/1º GpAvEmb. O GAE não se identificava como a unidade "dos Cardeais", portanto. Contudo, parece que a perspectiva de quem montou o "Histórico Fotográfico" era a de um 1º GpAvEmb "livre" dos Anujás. Quase nada foi preservado. Seja como for, perdidos os helicópteros naquele ano de 1965, já apareceu um registro de uma celebração exclusivamente "do GAE dos Cardeais".  As fotos revelam uma lindamente arranjada missa no interior do hangar, seguida de churrasco ao ar livre, mas, curiosamente, trazem a data de 28 de agosto (28/08). Pode ter ocorrido um erro do laboratório fotográfico da base, trocando-se o "6" (junho) pelo "8"(agosto), ou, a data está correta, indicando apenas, em sendo realmente a festividade relativa à chegada dos P-16 ao Brasil, que em 1965 ela  foi adiada por qualquer motivo. É bom lembrar que que o ano de 1965 foi um ano de intensa atividade e, justamente em junho, aconteceu o primeiro embarque do Grupo no Minas Gerais. Mas isto é pura especulação minha.

O Cardeal 01, Ten. Brig. Becker, recebe a apresentação da Equipe de Sobreaviso, feita pelo Sargento Braga, Especialista em Comunicações. O Brig. Becker foi o comandante que levou o 1º/1º GAE para os Estados Unidos para receber os S2F, e todos os segredos da moderna Guerra Anti-submarino. O Sargento Anderson, ao fundo, de costas para o P-16, saúda a autoridade, também.


O Brig. Becker e o TCel. Reale. A transmissão dos legados era uma constante na constituição e vivências do 1º GpAvEmb.

Seja como for, nas fotos de junho do ano seguinte, 1966, mais precisamente no dia trinta, está registrado o "Almoço dos Cardeais", que já tem toda a cara de "Ceia", inclusive, por contar com a presença do Cardeal 01, o Brigadeiro Becker. De fato, os registros anuais mostram que a data ganhava em significação. Veja-se que, no ano seguinte, 1967, as fotos revelam não só o apego à data, 28JUN, quanto a sua identificação com o próprio "aniversário" do 1º GpAvEmb. Por óbvio que, ligar o 28JUN com o aniversário do Grupo toma a forma de uma "apropriação indébita", uma vez que, na verdade, a Embarcada "foi nascida" pelo Decreto de 06FEV57. Ainda assim, tão significativo quanto a identificação do 28JUN com o nascimento da unidade, as fotos de 1967 revelam que a estrutura da festa já aparece definida: o dia foi iniciado com um catrapo (a simulação de pousos a bordo de porta-aviões), o que só pode significar um "voo das múmias" (se é que já tivessem inventado a expressão em 1967), até porque, novamente, estava presente o Brig. Becker, o único piloto que eu posso identificar como não sendo mais parte do efetivo da unidade.



Pois, a despeito de quais tenham sido os percursos e desvios evolutivos que resultaram no tradicional culto ao dia 28JUN61 no âmbito do 1ºGpAvEmb, enquanto a unidade operou os P-16, todos os anos havia, na parte da manhã, o "Voo das Múmias". Era o momento no qual quem já havia deixado a unidade, podia se reencontrar com os controles dos veneráveis Tracker, e o excitamento de submeter-se às orientações do OSP (Oficial Sinalizador de Pouso). Em todos os voos das múmias, o ponto alto era o voo do Cardeal 01, o Ten Brig Becker, quem comandara o Primeiro Esquadrão ao tempo da preparação e recebimento dos aviões nos EEUU e, evidentemente, era quem liderava aquela primeira esquadrilha a chegar ao Brasil, em 1961. Mais tarde, o Brig. Becker comandou o próprio Grupo, entre AGO61 e MAI63. Em 1994, quando as fotos que ilustram este artigo foram tiradas, evidentemente que o voo das múmias teve um caráter simbólico, conforme aproximava-se o fim da unidade. Logo se percebe que não houve o tradicional catrapo, e apenas o Brig. Becker fez o seu voo de reencontro.

Repare que não se trata da decolagem; o Brig. Becker executa um rasante sobre a pista de taxi.

 Eu iniciei este artigo tratando a Ceia dos Cardeais como uma "marca registrada" do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada; na verdade, esta celebração sobreviveu ao próprio Grupo, extinto que foi, em JUL98. Desde então, indubitavelmente, ela assumiu um aspecto de "permanência" (como gostam de expressar-se os historiadores), algo que se projeta no tempo, além do próprio fenômeno que a originou. Na Ceia, sobrevive um vestígio (outro termo dos historiadores) da Embarcada, que deverá continuar até o dia em que o último dos seus veteranos estiver disposto, ou, capaz de preservá-la. Neste ano de 2020, a Ceia perdeu para o Covid 19, mas teremos a revanche, em 2021. Todas estas fotos do Voo das Múmias de 1994 foram feitas pelo photógrapho da unidade, o Sargento Carlos Alberto, o nosso "sapo-chulé"... "...o sapo não lava o pé/ não lava porque não qué..."

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