Ter um avião de guerra é diferente de só "ter um avião".
...a incorporação dos P-16E (Grumman S-2E Tracker) ao Primeiro Grupo de Aviação Embarcada foi um processo, no mínimo, tortuoso. A parte fácil: comprar; os aviões chegaram entre DEZ75 e ABR76. O diabo é que "avião", qualquer aeroclube tem. Uma unidade aérea de combate, contudo, para justificar o nome e os dinheiros, voa com um propósito só: destruir. Se uma longa linha de preparativos não estiver ativa, e o "avião" não estiver plenamente equipado, mantido, tripulado por gente capacitada e proficiente, a função de dar tiro nos outros não se completa, e o Brasil perde a guerra (e aí, só se jogou tempo e dinheiro fora).
Pois a aquisição dos P-16E pelo Brasil, colocou a FAB num patamar tecnológico que, se em fase de superação no Mundo, era ainda muito superior ao que se conhecia por aqui (exceção feita, talvez, ao Mirage III). E isso exigiu a construção de infraestruturas de suprimento, de treinamento, de manutenção, muito mais complexas do que já existiam. Tudo teria que funcionar no padrão da Marinha dos Estados Unidos (USN), ou seja, as exigências operacionais de quem tinha por missão, prevalecer em combate contra as ameaças militares dos países comunistas. Não era pouca coisa. E a FAB "apanhou" para pôr-se minimamente, a par com as necessidades de cooperação com aquele país, como exigia o seu papel de fornecedora de meios aéreos para a Esquadra Brasileira, esta, em íntima relação doutrinária e operacional com a USN. Aliás, este sempre foi o problema de "comunicação" entre a FAB e o 1ºGpAvEmb, a doutrina.
Eu acredito que o 1º GpAvEmb teve que absorver, com os P-16E, os reflexos da conhecida receita de quem só guarda a capacidade de comprar coisas, por incapaz de produzi-las (e o Grippen vem aí!). Adquire-se novos equipamentos e tecnologias, mas não se tem as disposições necessárias para o que vai além da "posse", e o prestígio/status decorrentes da posse. De alguma maneira a "cultura burocrata- estatal", que gerou a "sociedade nacional" e as Forças Armadas (considerando que homens e mulheres que vestem fardas provêm desta mesma sociedade, e só podem refletir este "estado mental") são vítimas da versão tropical do que Saint-Exupéry denunciou nos franceses, outro povo enredado no Estado, a falta da "Moral do Declive" (que lhes custou a humilhação da derrota relâmpago e da ocupação). Uma maldição cultural que sempre permite fazer faltar o que seria necessário, culpando-se o pouco que se tem.
A chegada dos P-16E no GAE, mal comparando, reflete o caso da esquadra de 1910 (mal comparando, e guardadas as proporções), quando aquela cultura a que me referi, acima, representada, talvez, ainda na mentalidade da "Marinha de Madeira", descurou até mesmo da provisão de pessoal suficiente para fazer frente às novas demandas de mão obra para tripular aqueles barcos. Descurou, também, da infraestrutura capaz de lidar com aquelas novas tecnologias, da sua manutenção (quiçá aperfeiçoamento, porque tecnologias compradas estão logo ultrapassadas) para garantir o seu pleno funcionamento e aproveitamento. O resultado é a inevitável queda na operacionalidade e dispêndio inconsequente de dinheiro. Vejam os amáveis leitores, quantos encouraçados da geração dos dois Minas Gerais de 1910, construídos entre 1910 e 1914, que nas principais potências lutaram na Primeira E Segunda guerras mundiais, enquanto que os antigos Minas Gerais capengavam já, terrivelmente, em 1918, e só puderam desempenhar o papel de bateria costeira, estáticos, guardando portos, a partir de 1942.
O suprimento de peças de reposição, num instante, mostrou-se absolutamente inadequado. Os equipamentos que vieram instalados nas células logísticas, como material de "giro", foram consumidas num upa! E num instante a disponibilidade dos novos aviões despencou. Como a atestar a fragilidade da linha de suprimento de peças e componentes, entre NOV78 e MAI79 um dos nossos aviões, e pessoal, teve que seguir para os Estados Unidos, para servirem de inspetores, ou coisa parecida, para disponibilizar equipamentos nossos, encalhados lá, e terrivelmente necessários aqui!
Há poucos anos falecido, o então Sargento Tadeu trouxe à memória dos veteranos, no FB, alguns detalhes daquela empreitada:
"A missão era: acompanhar a revisão, testes e recebimento, de equipamentos reparáveis dos sistemas anti-submarino, eletrônico e outros das aeronaves P-16E. Foram designados pela Portaria R-162/GM1, de 24 Out 78, os MAJ AV JOSÉ WALTER DE SOUZA TELLES, como Chefe da missão e 1S Q RT VO MARCOS TADEU DA ROSA BARBOSA, como técnico e secretário. Seguimos para a CAB /W (Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington) em 05NOV78 e tratamos de reunir e embalar no depósito da CAB/W (localizado no vizinho Estado da VIRGÍNIA) o material a ser remetido para a planta da GRUMANN em STUART. Tratava-se de cerca de 130 "caixas pretas" e outros equipamentos que se encontravam no Depósito da CABW e em outros locais, aguardando reparo há bastante tempo e sem perspectiva imediata de solução. Após acordo entre a FAB e a GRUMANN, decidiu-se pela formação de uma equipe que iria reunir todos os equipamentos em Washington/DC e acompanhá-los até a Planta da GRUMMAN em STUART/FL/USA, para dar cumprimento à missão. Estava também prevista a ida de uma aeronave P-16E (no caso o 7030), para servir como aeronave laboratório, para os vôos de teste e posterior recebimento e remessa ao Brasil dos equipamentos reparados. Os tripulantes eram o então MAJ AV SIDNEY BENÍCIO (CMT) e o então CAP AV LUIZ ALBERTO BRAGA RIBEIRO (TACCO - quanto a esse não tenho certeza) e como Operadores Eletrônicos, o 3S JOSÉ AUGUSTO DE ALMEIDA (JAU) e eu mesmo."
Enormes confusões, pra onde quer que se olhasse.
Pessoal da Embarcada em Stuart, infelizmente, por não serem meus contemporâneos, não os posso identificar. |
É bom sempre lembrar, que além das demandas operacionais, o GAE era responsável, também, pelo treinamento dos novos pilotos e operadores que se apresentavam na unidade. E isso consumia ainda mais horas de voo, e horas disponíveis dos exíguos equipamentos eletrônicos. Somente depois de muitos esforços da unidade junto aos órgãos superiores da FAB, é que se conseguiram (entregues no início de 1980) dois sistemas específicos (14-B-30 e 14-B-35) para a simulação de missões ASW, com fins de instrução, o que permitiu a economia de montanhas de horas de voo, e custos associados. e o mais importante: poupar horas de uso a aviões e equipamentos, para emprego durante os exercícios e manobras as mais variadas, onde o 1ºGpAvEmb tinha, de fato, oportunidade de afiar as suas habilidades na caça ao "Tirano escondido no fundo do mar", como diz o Hino da Embarcada. Afinal, avião de guerra tem que estar voando em combate, ou, em preparação para o combate. O contrário disso é desperdício irracional do dinheiro dos outros....
À guisa de post scriptum: sobre as referências à esquadra de 1910, Revolta da Chibata, de Marco Morel. Mas eu também li, A Revolta dos Marinheiros, do Almirante Hélio L. Martins.
Então, na verdade, o "inimigo" do GAE, além dos submarinos, estava dentro das linhas amigas e não na MB.
ResponderExcluir...Gustavo, eu não consigo determinar, institucionalmente, até onde ia a lealdade da Marinha, até porque, a FAB era o "espinho na carne" dos caras. Mas, por certo que a comunicação (e eu quero dizer DIálogo) era mais cerrada, porque a doutrina era a mesma. Mas, quando se tratava de pedir equipamento ASW pra FAB, o problema se estabelecia: "O que é isso?"; "Prá que serve?", "Qual a necessidade (considerando as doutrinas da FAB, que nada tem a ver com guerra no mar)?"; "Quem lança mísseis é a Caça (!!!!)"; "Porque não compramos o mais barato?"; "Estamos comprando o [material] nacional pra toda a FAB, vocês se arranjem com o que tem"; etc, etc, etc, como disse uma vez o Yul Brinner... basta ver que o GAE NUNCA teve cabeças de guerra para os torpedos Mk 44. Os Mk 46 eram da MB...
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