"Pessoal de mu" em Santa Cruz.


...dentre todo o leque das atividades do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, quando solicitado, havia o treinamento para os homens de Marinha que guarneciam o convés de voo do Minas Gerais. Normalmente, os "de mu" (como os companheiros chamam aos colegas, na gíria marinheira; "de mu", os "de mulher", ou seja, os que são afeitos ao sexo oposto), se deslocavam lá para Santa Cruz, para uma adaptação ao avião, seus barulhos e respostas, que podiam, sem dúvida, desfocar a atenção de um não iniciado, durante as sempre perigosas operações aéreas embarcadas.


Com as linhas contra incêndio guarnecidas, os marinheiros cobrem o avanço da equipe de resgate até as saídas de emergência do P-16, para livrar os tripulantes. No Minas Gerais, pela altura dos P-16, usava-se aquela empilhadeira, devidamente adaptada. Os bombeiros vestiam sempre suas roupas de asbesto, amianto, ou seja lá o que os isolava do fogo.

Para os marujos que manejavam os calços, por exemplo, era importante o contato físico com os P-16, pois a eles cabia acompanhar os aviões durante os táxis pelo convoo, calçando as rodas assim que os aviões paravam de se movimentar. Era um procedimento de segurança de primeira importância, principalmente quando se tem pessoas e aviões (e mais hélices) em movimento próximo, num convés que se inclina em todos os eixos.

Aparentemente, o orientador comanda uma curva para a DIR, indicando ao piloto com seu punho ESQ, que trave a roda daquele lado, enquanto continua a cobrar movimento com seu braço DIR. O marujo com os calços vão de cada lado do avião, prontos para colocar aqueles bloqueios, que impedem que a roda gire tanto para frente quanto para trás. 

Imagem escaneada de um slide de instrução, sobre o qual eu inseri os destaques que mostram as alças para que os marinheiros encarregados dos calços pudessem se equilibrar e firmar, mesmo quando submetidos ao vigoroso turbilhão gerado pelas hélices.

Eram momentos de stress, com o barulho dos motores ligados, a enormes e ameaçadoras hélices, o calor do escapamento, o turbilhão de vento a jogar tudo para trás; e tudo isso, de olho nos movimentos dos orientadores. As responsabilidades daqueles meninos só não eram maiores do que os riscos a que estavam submetidos. E lá em Santa Cruz eles aprendiam a andar ao lado dos possantes P-16, agarrados às alças que estes possuíam no lado externo das naceles dos motores.

A aparência do gancho  de catapultagem, para quem se aproximava por trás, por sob a fuselagem. O gancho era o dispositivo por onde o avião era preso à catapulta, por meio de um bridão. Imagine o leitor, procurar por ele em meio a um barulho de motores, aliado ao do vento, que poderia estar girando em torno de, pelo menos, uns 30/35 km/h. As hélices estão invisíveis devido ao movimento, apenas se sabe que elas estão por ali. Junte a isso a ansiedade de estar sendo observado por todo o Departamento de aviação, o trabalho não pode falhar, nem demorar... estão todos esperando por ti, e pela boa execução do serviço. Não! não era fácil... Esta foto, eu não sei o que pretendia com ela, mas tirei-a em JAN89, há seis meses de chegado na Embarcada.

O gancho de catapultagem, visto de lado. O avião é o 7033. Não sabia, claro, mas eu fotografava aquele avião,  a
 dias de perder-se num acidente lá em Santa Cruz, NOV91. O Sargento Almeida realizava a verificação do sistema de embandeiramento das hélices durante o "Turn Up", um conjunto de  procedimentos finais de uma inspeção, antes de devolvê-lo à linha de voo; de fato, se mostrou a última do "Tleis-Tleis".

Outra equipe que se beneficiava grandemente deste contato mais benigno com os aviões do 1º GpAvEmb era o pessoal dos aparelhos de parada e de lançamento, a catapulta. Estes precisavam acocar-se, engatinhar, espremer-se, entre o convés de voo e a barriga do avião, de maneira a prendê-lo aos equipamentos de lançamento, manejando os peados e desajeitados bridões, tudo isso a poucos centímetros das duas hélices, girando ameaçadoramente. Qualquer movimento mal pensado, num momento de indecisão, ou, confusão, que levasse o marinheiro para as laterais da fuselagem, ao invés de mover-se por sob ela, no sentido longitudinal do avião, significaria a morte certa. Era preciso estar preparado para executar este trabalho, Ninguém duvide!

Depois de receber  o "OK" da tripulação, através de um aceno de cabeça do copiloto, o oficial de decolagem livre bate com sua bandeirola verde no convés, e aponta-a para a frente. O piloto solta os freios, e deixa o avião iniciar a corrida de decolagem, ou, esperar o puxão eficaz da catapulta. O 7022 desapareceu no mar junto com a tripulação, Tenentes Villas Boas e Pereira da Ponte, em JAN69. Fotos dele são muuuuito raras!

Havia, também, a necessidade de sinalização (sem rádio) entre os oficiais de lançamento e as tripulações, que indicavam um "tudo OK", ou, indicavam que o lançamento precisava ser abortado. Tudo por sinais de mãos, de cabeça, bandeiras, luzes (a noite) e um placar (na catapulta), tudo dando conta de situações que tinham que ser avaliadas e gerar respostas em instantes, para não prejudicar o lançamento/recolhimento dos aviões subsequentes.

A imagem da foto anterior se repete, conforme o pessoal não envolvido naquele exercício observa a distância, sob o sol generoso das tardes de Santa Cruz. O calor naqueles pátios de concreto podia ser bem desagradável! na DIR da foto, aparece o contorno do Pico do Tinguá, o ponto culminante da região, lá longe, no Km 32 da antiga Rio-São Paulo...

Também havia a necessidade de familiarização das equipes de socorro com os acessos ao interior do avião, e os meios para a retirada das tripulações num avião sinistrado e, é claro, a formação dos orientadores, os homens responsáveis por manter a segurança durante os taxis e as manobras a bordo do navio. Imagine o caro leitor, nos espaços confinados do Minas Gerais, manobrar um avião sem que ele se perca pela borda! Manobrá-lo, a centímetros da borda, mas com toda a segurança. Os pilotos, da cabine, não viam nada (o que dizer dos Operadores, confinados no compartimento posterior, e suas minúsculas janelinhas), apenas confiavam na fibra daqueles "de mu"; e todos viveram para contar as histórias... 

Todas as fotos em preto&branco foram digitalizadas do grande "Histórico Fotográfico" do GAE, pelos fotógrafos do 4º/7ºGAv Monteiro, Fonseca e Atayde.

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