...uma unidade aérea de combate que valha o nome alia à sua construção física
e administrativa, uma construção imaterial, ela vai estabelecendo marcos de identidade que não são visíveis a olho nu (e já não disse o filósofo que o essencial é invisível aos olhos?). Eu não tenho medo de nominar o fenômeno de construção “espiritual” da unidade. No caso do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, alguns destes "marcos" mais relevantes nasceram ao redor do Bar Cardeal. A "Cantina do 'seu' Zé", a “Cantina da Embarcada”. Em Santa Cruz, a cantina era o ponto central de socialização, formal e informal da Unidade (eu tenho escrito aqui sobre o mesmo papel desempenhado pelo Brifim Dois, quando estávamos a bordo do Minas Gerais).
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Sendo a chegada do seu Zé, e do Bar Cardeal, em 1959, esta foto não pode estar muito distante daquela data. Se percebe a grande abertura para sala de estar dos oficiais.
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O "Nonato", o Zezinho, com seus quem sabe, quinze, dezesseis anos, já atrás do balcão da cantina.
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Para cima e para baixo dos círculos hierárquicos, unindo-os todos. As relações ali migravam do institucional para o pessoal, e vice-versa, na
velocidade com que se pediam as torradas. Havia um balcão frontal, que corria toda a sua largura, onde todos se debruçavam, ombro contra ombro, para pedir as “cabecinhas”, e “flautear”
os companheiros cujos times haviam perdido jogos na noite anterior. Fora este espaço "público", havia janelas
deslizantes com acesso à intimidade das salas-de-estar tanto de oficiais quanto de graduados. Dir-se-ia nestas "modernagens" dos tempos da informática, que a cantina do Seu Zé se constituía no “hub” do 1º GpAvEmb.
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Os uniformes indicam o início da década de 1960. estas fotos do Zezinho eu copiei com o celular, há poucos anos, com a autorização dele, sobre este mesmo balcão, no dia em que fui me despedir deles os dois em 2018.
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A abertura para a sala de estar de Suboficiais e Sargentos, aí por 1997. Eu lembro de ter chegado de um voo, e pedia alguma coisa, quando o Zezinho tirou esta foto, que eu só encontrei em 2018.
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Encabeçava a cantina o indestrutível "seu'' José, o "seu Zé", que reinava tendo à sua destra, com a fidelidade dos antigos escudeiros, o "Nonato". Na verdade este era só o apelido do outro José, o Zezinho, conforme o seu Zé o tratava. O Esteves descobriu que o seu Zé foi praça da Base, na primeira turma de 1945 e, aparentemente, parece que nunca mais saiu do hangar... na verdade ele dava a impressão de já estar lá antes mesmo do hangar existir! Disse o Mário Sérgio: “Se houvesse um ‘Patrimônio Histórico da FAB’, essa cantina seria tombada, com certeza”. Na verdade o "véio" Zé não era tão velho assim, segundo o Brigadeiro Assis, "Seu Zé chegou comigo, em 1959." Nada obstante, a impressão da importância, e da perpetuidade, atravessava as gerações de militares que serviram na Embarcada.
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O seu Zé em seu trono. Só saía daí após o almoço, para o indefectível jogo de dominó na Seção de Sistemas Elétricos, À qual eu pertencia. A "jogatina" era embalada pelo prazer de acumular a moeda corrente: refrigerante no seu Zé. As vitórias criavam créditos em refrigerante! Dá pra acreditar?
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A foto vale não só pelo "look" anos 1970 do Zezinho, mas para mostrar que ele está vestindo a camiseta do 8º uniforme do GAE. Ainda em janeiro deste ano ele me mostrou, orgulhoso, uma destas camisetas que ele conservava sob o balcão. Orgulhoso! ele sabe que é parte do GAE.
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Quando eu cheguei, em JUN88, estranhei muito ouvir as pessoas pedindo "uma cabecinha", ao invés do corriqueiro “cafezinho”... “Quero uma cabecinha Nonato!” Ora, o seu Zé vendia à moda das “vendas”, das “tendas”, tudo anotado no caderninho! Um sistema que dava chance a todas as misérias! Algum gaiato poderia fazer um lanche e dizer pro Nonato: “- Põe na conta do Thiesen!”... ou, sei lá, o seu Zé podia errar nas somas, simplesmente, e aí a tragédia se estabelecia: tinhas que pagar uma conta que não era tua. Pois bem, por isso que na Embarcada, não se pedia um cafezinho, sempre se pedia “só a cabecinha”, relacionando qualquer compra na cantina com a piada sobre o ato sexual mal consentido... "só a cabecinha..."...
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Ronaldo, Zezinho e um dos muitos ajudantes que passaram por lá. uma pena que eu não tenha guardado o nome. Lembro, contudo, de pelo menos um que tornou-se soldado da unidade.
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Outro amigão nosso, de quem não lembro o nome.
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Seu Zé, já mostrando o cansaço que o fazia cochilar sentado, varias vezes ao dia. Pela parede e na prateleira, muitas fotos que ele ia recebendo de homenagens anos afora.
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Pra dar uma ideia dos possíveis efeitos do famigerado sistema de anotações do seu Zé, eu conto de uma vez em que eu fui saldar a minha conta do mês. Eu nunca fui um grande cliente do seu Zé. Não gastava muito por lá, até porque eram tempos pré-Real,
quando a inflação fazia todo o mundo percorrer vários supermercados, buscando preços e ofertas, para economizar. Pois bem, desta feita o seu Zé me cobrou
o equivalente ao que eu, Terceiro Sargento (3S), recém-casado, pagando aluguel, gastava no supermercado!
As minhas alegações, inquirições e protestos bateram no iceberg daquele
encolher-de-ombros com o qual o seu Zé encerrava as discussões. Terminativo!... engoli a raiva e a surpresa, porque o homem tinha as “costas quentes”.
Apesar do flagrante absurdo, não acreditei que a reclamação de um
3S seria acatada, se eu me recusasse a
pagar, e a questão chegasse os Oficial de Pessoal (S1)... paguei.
Eu adorava assistir ao Leal (LEL) parodiando os gestos e a fala
compassada do seu Zé, chamando um cliente (vítima?) para uma conversa ao pé do ouvido: “[...] Fulano, imitava ele, eu não sei se eu anotei pra ti cinquenta centavos, ou cinco reais... na dúvida eu vou te cobrar cinquenta reais [...]”. A não ser pelas fotos abaixo, todas as outras são do arquivo pessoal do Zezinho, que ele mantinha sob o balcão do bar, e que generosamente abria para dividir lembranças com os visitantes que faziam questão de trocar abraços e reverenciar aqueles dois expoentes da história do 1º GpAvEmb.
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Mário Sérgio, grande amigo da unidade, e meu, era Sargento do ESM, aqui, já capitão, em 2014, registrou a sua visita.
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O Atayde, fotógrafo que agora voa lá em campo Grande, também aproveitando a oportunidade de abraçar os dois heróis da resistência, em JAN17.
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Apesar de todas as estórias e toda a história, o seu Zé, pesado em anos, adoentado, já não dava mais conta da rotina comercial, e o Zezinho vinha tocando sozinho, abrindo e fechando o negócio, até há poucos dias. Na verdade ficamos sabendo, pelo Sargento Ernilton, no grupo dos veteranos, que o Bar Cardeal, não teve mais sua concessão renovada pelo comando da BASC. Claro que entre os veteranos do GAE surgiram algumas exclamações de inconformidade, de revolta, mas interveio a ponderação e experiência dos bons pais do Brigadeiro Assis. O Brigadeiro Assis, quem atualmente dirige as solenidades relacionadas ao Grupo, uma vez que outros dez Cardeais mais antigos apresentam algum tipo de impedimento, acudiu à exasperação da turma, pedindo calma: "Ele [o seu Zé], também, não é eterno". Roma locuta est; causa finita est. De fato, conforme o Coronel Gouvêa levantou junto ao Brigadeiro Peclat, todos, também, veteranos do Grupo, a não renovação do contrato deveu-se a pedido do próprio seu Zé, que sem saber, corroborou o Brig. Assis: nada é eterno, E o Bar Cardeal é mais um vestígio do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada que desaparece; e todos nós não recebemos um fato destes sem tristeza...
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A Renata, também, originariamente servindo no 4º/7º GAv, a unidade que se erigiu sobre as instalações, pessoal e P-95A remanescentes do GAE, presta sua homenagem ao seu Zé e ao Zezinho, durante uma visita.
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A última foto que eu bati com o Zezinho, em JUN18. Sempre usando um boné da Embarcada, em dias de festa. Claro que, mesmo sem fotos, nunca deixo de passar uns minutos com este sujeito, de quem não se pode aquilatar, de relance, o que carrega de amor à unidade e lealdade aos seus antigos companheiros de jornada no coração. Merece levar todos os beijos que ainda puder receber de todos nós.
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Bela e justa homenagem a esses personagens que fazem parte da vida da gente dentro das unidades. Seja na FAB, EB, MB... como ele existem muitos outros "Seu Zé" por esse Brasil. Parabéns pela deferência aos mesmos, meu caro Thiesen!
ResponderExcluir...que bom que gostaste, Gustavo!...
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