Aviões novos, aviões velhos, pouco importa; não há coragem em combate que supere falta de planejamento e infraestrutura.

...o Relatório Final de Missão, de MAR76, registrou a seguinte:

 "Evento 26.5 - Às 14:10Z o helicóptero líder [...] solicitou que o P-16 [A] lançasse um padrão de boias [boias radio-sônicas, ou, BRS, um equipamento de detecção acústica subaquática; por aquela época, a BRS em uso era a SSQ-23A] para confirmar um possível contato submerso com um objeto não identificado, e que não era o submarino participante da missão, por estar o mesmo navegando na superfície. Foi lançado um padrão de boias no provável "Datum" sem, entretanto, ter sido obtido contato por deficiência dos receptores de sono-boias e do DAM da aeronave."

Foi justamente para superar os problemas de obsolescência e desgaste dos P-16A, que o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada pelejava, desde o início da década, pela aquisição dos seus substitutos, os P-16E. Apesar de os primeiros P-16E já estarem em Santa Cruz, em MAR76, sabe-se que as deficiências de material constantes no relatório, contudo, se referiam aos P-16A, justamente porque, por aquela época, não se grafava "P-16A"; os escreventes datilografavam apenas "P-16", como se fazia desde 1961. Já os P-16E, desde que chegaram, carregaram nos documentos, o sufixo apropriado. Com o tempo, a diferenciação se consolidou: P-16A e P-16E. 

O 7018 sendo abastecido. Este avião não chegou a ser transformado em utilitário, tendo-se acidentado nas proximidades da cabeceira 04, durante a realização de um voo noturno de readaptação.

Pois bem, pouco mais de um ano depois, em JUL77, as fotos da Linha de Voo do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada sugerem que a inadequação de meios revelada no documento acima, ainda não fora solucionada. Talvez, tido algum encaminhamento (muy malito). De fato, ainda que os oito P-16E já estivessem na sede, eram os P-16A remanescentes, com seus equipamentos eletrônicos de detecção ASW (Anti-Submarine Warfare) muito degradados, que dominavam a Linha de Voo.

A foto revela apenas P-16A na Linha de Voo; eles são facilmente discerníveis dos P-16E, pela presença da grande carenagem da antena de Contra Medidas Eletrônicas, sobre a parte dianteira da fuselagem. A foto do 7037, que aparece nesta sequência, pode ser uma evidência da baixa disponibilidade doe P-16E, mesmo em relação aos aviões mais antigos. Ele parece isolado entre os "Alfa", e devia estar às costas do fotógrafo.


Os P-16E, comprados dos excedentes da Marinha dos Estados Unidos (USN), reluzentes, com suas lindas camuflagens recém aplicadas, chegaram com enormes problemas de suprimento e manutenção, problemas que se manifestavam já ao final do primeiro ano de operações. Faltavam peças de reposição, faltavam itens de armamento, bancadas de manutenção para os sistemas eletrônicos; e faltava gente para atender a demanda aumentada de oito novos aviões; faltava gente em Santa Cruz, e faltava gente, principalmente, no Parque de Material Aeronáutico de São Paulo, responsável por apoiar a operação dos P-16. 

Mas, para nos focarmos apenas nas questões do material, vou referir a um outro Relatório Final de Missão, de OUT77 (mas poderia ser um Relatório de equipagem de Patrulha, um Relatório de uma Reunião de Operadores, exposições de motivos; fontes documentais abundam):

        "[...]Há necessidade da liberação das BRS SSQ-41 (sono-boias modelo SSQ-41) para um bom rendimento no emprego da Anv (sic).

            [...] As sono-boias usadas, tipo SSQ-23A, embora já com o tempo vencido (sic) apresentaram um alto índice de panes. Apenas 40% delas entrou em funcionamento.

            [...] O Esqd (sic) só dispõe, atualmente, de 2 Anv [aeronave] com o equipamento DAM funcionando e nenhuma Anv tem atualmente o ASN-30 funcionando [...]".

O recém chegado 7037, compartilhando com seus irmão mais antigos, o sol da tarde no Pátio Oeste da Base Aérea de Santa Cruz. A presença dos aviões na linha de voo, não significa que eles estejam completamente equipados para o combate, senão que para realizar voos ordinários.

 
Foi um momento de operacionalidade muito baixa, de muitos sacrifícios para o pessoal da unidade, buscando superar as deficiências, apesar da incorporação dos aviões, e seus sistemas mais modernos. Na verdade, para a Manutenção, esta situação exigia retirar o equipamento defeituoso do avião operacional, retirar, se disponível, um equipamento bom de um outro avião (que esteja em inspeção, por exemplo) instalar no avião operacional, e instalar de novo, no "doador", quando chegasse a oportunidade. Uma montanha de trabalho a mais, além das exigências normais. Só quem passou por todos estes serões pode avaliar o que vai de raiva e frustração neles (ainda que as pessoas se acostumem a isso)... e a Dona Maria em casa, esperando o guerreiro, para fazer as compras do mês; levar o cachorro ao veterinário... quem sabe, fosse aniversário dela?

Fosse como fosse, mesmo porque na guerra é bem pior (dizem), ainda que com as limitações em alguns equipamentos, o comando da unidade registrou a questão que fazia em garantir quaisquer voos possíveis, para aproveitar a oportunidade para treinar as novas táticas disponíveis, com o que quer que funcionasse. Até porque, não havia, também, meios de simulação, e treinamento das tripulações tinha que ser com voos mesmo, no duro: 

            "Apesar das deficiências dos equipamentos eletrônicos das Anv estes exercícios são proveitosos para a U [Unidade] pela oportunidade do emprego de táticas com modernos equipamentos nas Op AS [operações anti-submarinos] destacando o JEZEBEL [...] 

                    [...] Face ao resultado desta operação [...] há necessidade de definição sobre os índices de disponibilidade operacional das Anv, uma vez que a U operou com algum sucesso (grifo meu) e tem nos seus relatórios constado como ZERO (sic) de disponibilidade operacional."

Este último parágrafo é um monumento em si: o comandante sugere que, já que a situação do material não permite uma vitória de 100%, mechamos nas ordens, normas e orientações, para permitir que os aviões decolem para vencer 30% (algum sucesso)  da guerra, pelo menos. Essas coisas inspiravam, e, hoje, já longe no tempo, dão orgulho...

Os alojamentos/ejetores (chutes) das sono-boias estavam localizados a ré das naceles dos motores. Os P-16A carregavam 16 delas, oito de cada lado, sem considerar mais duas de cada lado, de um tipo gigante de BRS, mas que já não estava mais em uso por aqueles dias. Eu vi uma à deriva lá em Santa Cruz, há uns anos. Não sei se foi recolhida. Os P-16E, por sua vez, dobraram a capacidade de boias, eram 32, 16 em cada lado.

Todas as fotos vieram de um fragmento de negativo, encontrado em um envelope com a data, mas sem referência ao fotógrafo.

Comentários

  1. Algo me diz que era proposital essa falta de infraestrutura. Pensando na "briga" Marinha x FAB.

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    1. ...como eu já registrei lá no FB, Arthur, eu creio mesmo é na doutrina falha, onde o combate aparece sempre de maneira marginal. É fácil estabelecer as linhas históricas desta situação; dos F4B herdados em 1941, ao AMX. E este pobre Saab será o F-5 de amanhã. E isso pra falar da caça. A Patrulha, só teve algo como os P-16, por causa da Marinha, nem de longe eram projeto da FAB. Os planos de modernização da década de 1956 e 1958 provam isto. Ao contrário da USN, de quem o GAE bebia sua doutrina, a FAB não fala a língua do combate...

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