O Catrapo, termo e prática fundamentais do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada.

Esta foto eu encontrei tentando folhear um álbum, entre uns quatro ou cinco, que foram atingidos por uma enchente, enquanto num armário ao rés do chão, na sala histórica do GAE. Eu os encontrei numa caixa, cobertos por todos os mofos e cocô de rato, de não sei quanto tempo. Estavam numa caixa de papelão, numa faxinaria que existia sob a escada da ESQ, no prédio do comando do Grupo. É sobre ela que o Brigadeiro Assis comenta, no seu depoimento transcrito mais abaixo.

...no dia 16FEV59, o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada estreava a prática dos catrapos. "Catrapo" é um termo genérico, muito comum na Força Aérea Brasileira (FAB); me parece mesmo que já em uso antes mesmo da criação da FAB, em JAN41. A rigor, a palavra sempre significou pousos "duros", bruscos, violentos, deselegantes, mas que retinham aquela qualidade essencial para qualquer pouso de sucesso: permitiam que o seu autor saísse andando do avião (ou, do que restou dele). Quando eu penso, como lembrou o Coronel Souza Lima, recentemente, em uma live no Youtube, que o Cardeal 01, o Brigadeiro Becker, era originalmente um aviador naval, não é difícil admitir que os pilotos da sua geração, vindo do Exército e da Marinha, forçosamente, carregaram consigo as suas terminologias, quando optaram passar para a FAB. Mas tudo isso é especulação, eu não tenho nenhuma pesquisa sistemática sobre a história do termo, e o que interessa aqui é seu significado para o 1º GpAvEmb.

Imagem de 16FEV59, dias depois do início da primeira campanha de catrapos em Santa Cruz.
Esta imagem forma uma unidade com a acima. São as duas sobreviventes daquela série.

Pois bem, embora eu não tenha (também) muitas luzes sobre o porquê, durante a década de 1940, alguns oficiais-aviadores da recém inaugurada FAB realizaram cursos junto à Marinha dos Estados Unidos (USN), onde receberam qualificação para pousos a bordo de porta-aviões. Lá nos Estados Unidos este treinamento era realizado utilizando-se aviões SNJ, ou, a versão "navalizada" do hoje venerável treinador T-6. Foi bastante natural, portanto, que após criar o 1º GpAvEmb (07FEV57), cuja missão precípua era guarnecer os navios aeródromos da Marinha, a FAB lançasse mão dos, talvez, quarenta oficiais com aquele tipo de formação junto à USN, e os T-6 (a FAB tinha alguns SNJ, também). A FAB agrupou quatro ou cinco daqueles pilotos em Santa Cruz, que dirigiram as primeiras tateadas da nova unidade, no tocante às operações aéreas embarcadas.

Por sua natureza posada, certamente esta foto, e as três subsequentes, pertencem á primeira apresentação pública dos catrapos, que ocorreu em 22ABR59, quando a FAB, já em guerra aberta contra a Marinha, reuniu grande número de jornalistas para mostrar os avanços de suas iniciativas para assegurar seu "direito" exclusivo de operar aviões e helicópteros, a despeito das necessidades das demais Forças Singulares.

Ora, um pedaço FUNDAMENTAL desta tais de "operações aéreas embarcadas" é o FCLP (Field Carrier Landing Practice), ou, Treinamento em Terra de Pouso em Navio (-aeródromo). É uma prática que precede a ida das tripulações para os porta-aviões, e visa aproximar os pilotos das realidades e procedimentos que eles enfrentarão e terão que aplicar nos navios. Claro, não deve ter demorado quinze segundos, para que algum "engraçado" começasse a denominar aquilo tudo de "catrapo".

O cavalheiro que aparece atuando como OSP nestas fotos, curiosamente, uma vez Ministro da Aeronáutica, foi quem extinguiu o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada. Pessoalmente, eu lembro sempre dos versos do payador da minha terra: ..."se a história não os condena/a mancha, NUNCA se apaga..."

O Brigadeiro Assis, então Tenente, lembrou, a lá Repórter Esso, testemunha ocular da história, no grupo dos veteranos do GAE no FB (ele, hoje, é o nosso Cardeal in charge):

"Naquele período pré US Navy, o treinamento era baseado na experiência dos companheiros que tinham cursado em 1947/48, também, na US Navy. O espelho, que não existia anteriormente, era plano e construído no Rio. Os acidentes eram comuns, principalmente "cavalos de pau", e acabavam na vala lateral da pista. O OSP [Oficial Sinalizador de Pouso] não era fixo e vários companheiros desempenharam empiricamente a função. Como curiosidade, o GAE tinha um cabo de vassoura, [cortado] na medida da bitola do trem de pouso do T-6 [para aferição do seu alinhamento depois dos pousos] que muitas vezes saiam do pista direto para o PAMALS [o parque de manutenção responsável pelos T-6]. Os pousos eram sempre na [cabeceira] 04 por causa do vento matinal. Pela "técnica" da época o avião pousava totalmente estolado. Pela foto, tudo indica que o piloto, num cavalo de pau para a esquerda, "montou" no freio para não cair na vala de drenagem."

Esta foto e a seguinte, são registros confirmados do dia 22ABR59, a primeira apresentação pública do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada.

Uma nota de rodapé, pensando nos plastimodelistas envolvidos com as coisas da FAB: Foram usados, para o início deste particular da instrução aérea da unidade, cinco T-6D: 1322, 1424, 1554, 1583, 1600, vindos do Parque de Lagoa Santa. Infelizmente não guardaram o registro do autor...

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