Sobre primazias, e a luta de morte pela sobrevivência... que acabou em morte.

O lindo 7034, primeiro avião militar brasileiro a lançar chaff. Foto minha, feita entre JUN/AGO92.

 ...início de 1995, e a desativação dos P-16 despontava no horizonte, prevista para DEZ96. O comando do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, recém ocupado pelo T.Cel Souza Lima, que substituiu ao T. Cel. Reale, obstinava-se em mostrar para as autoridades competentes que o avião ainda dava conta, que as capacidades anti-submarino da unidade ( ASW) eram relevantes, e que o conjunto valia a pena a atenção que se lhe desse. Principalmente no tocante à modernização dos aviões e seus equipamentos. Neste sentido, as iniciativas audaciosas do comando, e o suor das seções de Comunicações e Armamento (principalmente, mas nunca exclusivamente), fizeram o quanto foi possível, introduzindo, experimentalmente, aos valentes P-16, capacidades operacionais que a Força Aérea Brasileira desconhecia in totum, como Data Link e emprego operacional de chaff.

O radar atingiu seu patamar operacional durante a Segunda Guerra Mundial. Pois haveria de ser nela que as contramedidas a esta capacidade de antecipação aos atacantes fariam seu début, também. Partículas metálicas, cortadas em comprimentos convenientes, quando soltas no ar em concentrações suficientes, eram capazes de "borrar" as telas de radar inimigas, daí que as formações atacantes podiam penetrar um espaço aéreo sobre o qual a defesa já não dominava completamente, pois ficava "cega".

Com a independência e energia de quem luta contra o desastre à vista, equipamentos e tecnologias foram divididos com órgãos do Ministério da Aeronáutica e da Marinha. Tudo na luta para preservar o nosso avião e a nossa unidade. Evidentemente, o movimento criou pressão, e gerou problemas internos. Houve gente punida no âmbito do Grupo, pois divergências são inevitáveis quando as opiniões pessoais divergem, diante de terreno inexplorado. Nada obstante, hoje, mesmo estas coisas menos agradáveis devem ser exibidas como um troféu. Escreviam-se algumas das páginas mais brilhantes do Grupo, ainda que as últimas. Vale lembrar que por si, os P-16 ainda tinham muito o que voar. Células capazes de absorver 30 mil horas de voo, acabaram desativadas com menos de um terço daquilo, contudo; e com elas, um cabedal de quase 40 anos de experiência ASW.

Nada mais artesanal: um invólucro de papelão, de motores foguete SBAT-70, serrados com uma serra de arco, em duas metades, de maneira a que, uma vez carregadas de fibras de chaff, se abririam quando lançadas dos P-16, permitindo que o conteúdo (1kg de fibras de vidro metalizadas) se espalhasse na atmosfera... não, não devia fazer bem aos peixes lá embaixo...

De fato, o P-16E 7030 era o avião mais voado da frota, e quando foi perdido, em 13NOV95 (levando o nosso Renato pro Céu), por pouco havia ultrapassado as 10 mil horas. Mas, como a ovelha diante do lobo, na fábula do Esopo, tudo debalde, porque os aviões acabaram desativados na data prevista, e, com ele, para todos os fins práticos e operacionais, o Primeiro Grupo de Aviação Embarcada; e o país ficou sem um avião ASW de 1996 até 2012. Nada obstante, os monumentos estão por aí (documentos escritos podem ser monumentos, também), para mostrar os esforços dos homens da Embarcada para salvar seus aviões, sua missão, e sua unidade: "Não se trata de estabelecer polêmica [...]" se lê em um rascunho manuscrito, do Major Brigadeiro João Gerardo Lopes Mello, Cardeal 062, "[...] no entanto, para que não permaneçam dúvidas, encaminho a documentação anexa para que [...] restabeleça a verdade do primeiro lançamento de 'chaff' por aeronave de combate brasileira [...]". Esta nota, enviada a uma extensa lista de autoridades da FAB, reagia a um relatório de 09JUN95, do 1/16º GAv, voando os jatos A-1 os aviões mais modernos da FAB àquela altura, que celebrava "[...] a primeira vez que uma aeronave de combate brasileira efetua o lançamento de 'chaff' [...]", durante um dos seus exercícios de combate.

As "cascas" externa e interna do invólucro dos SBAT-70, inclusive sua tampa, devidamente cortadas.

Ora, na verdade, em 25ABR95, o P-16E 7034 (Cardeal 18) decolava de Santa Cruz às 13:25Z, durante o exercício COMBINEX 95, "[...] para realizar lançamento de CHAFF (sic) juntamente com a Força Naval e o Adelfi Azul (Aviões A-1 do 1º/16ºGAv). Lê-se no relatório deste exercício que "No horário previsto, o Cardeal 18 estava posicionado para iniciar o lançamento, porém teve que executar 03 (três) curvas de 360° para esperar o Adelfi Azul que estava atrasado. O Cardeal 18 fez o lançamento de CHAFF sem problemas e prosseguiu para SBSC [...]"

Um A-1 do 1º/16º GAv, os "Adelfi", que eu fotografei em mosaico, de cima de um P-16, aí por meados da década de 1990.

No mesmo relatório encontrei que o "[...] corte do CHAFF (sic) foi a maior dificuldade encontrada pelo 1° GAE para a realização do exercício [...] o corte é feito manualmente, com tesouras comuns [...] apesar da dedicação e do cuidado do pessoal envolvido, é impossível obter-se precisão de décimo de milímetro [para interferir com as frequências de radar daquele exercício, precisávamos cortar partículas de 7,05 e 1,53 cm!]." Claro, cortar partículas de chaff nas medidas exigidas para interferir eficazmente com os radares "inimigos" é tarefa só exequível para uma máquina. Daí que continua o relatório: "É importante para a Unidade a dotação de uma máquina de cortar CHAFF para melhorar a precisão e aumentar a produção." Contudo, lendo esta última citação, deverá ocorrer a dúvida ao atento leitor: a unidade não estava fechando as portas? Por que pedir equipamentos novos?!

Os fios de chaff, finos como só o cabelos dos anjos devem ser, nas suas caixas, enrolados e enrolados. Pegávamos a extremidade do rolo, apoiada contra um molde, e toca cortar, mesmo depois das bolhas nos dedos aparecerem.

Uma vez os tubos de papelão cheios da quantidade requerida de fibras, o conjunto ia nos chutes de sono-boias, à ré das nacelles dos motores dos P-16 para, como estas, serem ejetados para o espaço, por força de mola. De qualquer maneira, era uma "enjambração", e ficávamos apreensivos quanto ao funcionamento da coisa toda. A despeito de tudo, aparentemente, só uma vez (houve outras oportunidades de lançamento) perdeu-se um invólucro por lançamento inadvertido.

Todos os envolvidos, do planejamento à execução destas maluquices honrosas, mereceriam o reconhecimento geral da cidadania, dos pagadores de impostos, pois ali se via capricho com todos os dinheiros empenhados numa atividade militar essencial para o país de mais de quatrocentos trilhões de áreas marítimas e plataformas de petróleo, pré-sais e comércio dependente do mar. Compromisso, constância e coragem moral dos homens da Embarcada.

Seja como for, é preciso registrar que as fotos em preto e branco (salvo a do Lancaster lançando chaff) devem ter sido feitas pelo Sargento Carlos Alberto, então, o fotógrafo do Grupo, mas eu não tenho confirmação disto. Também seria de bom alvitre dizer explicitamente que esta compilação de documentos não deve ser tomada como um deslustro aos méritos dos caçadores do 1º/16º GAv. Muito menos como uma provocação baseada em rivalidades menores. Na verdade, neste sentido, me lembro de uma frase que o próprio Sargento Carlos Alberto gostava de citar: "Um dia é da Caça! Os outros 364 são da Patrulha!". MAD MAN.

Comentários

  1. Muito bom. Só quem ama a aviação pode entender.
    Obrigado por postar.

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  2. Saudações navais , de patrulha e de parabéns a sua história Cardeal Souza Lima.

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  3. Olá Thiesen, tudo bem contigo? Te mandei uma mensagem pelo Facebook com o link para umas fotos do NAeL Minas Gerais que eu encontrei nos arquivos da US Navy. Abraço.

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