Suboficial Joca, o Zero Hora, o maior caçador de submarinos do Universo... quiçá do Hiper-Espaço...

 

...em todo mês de março completa-se um aniversário do desaparecimento de um ilustre desconhecido, filho desta "Botocúndia" (usando a expressão do Monteiro Lobato) de tantas celebridades ocas, nulas, sem sentido ou significado. Mas, este meu personagem, contudo, embora certamente desconhecido, ancora sua relevância no comprometimento INFINITO que demonstrou no bem realizar seus afazeres cotidianos, dando-lhes assim, significado; e, a nós que convivíamos com ele, EXEMPLOS. Não se ocupava deles buscando proveito material próprio! Fazia-o em nome de alguma coisa que enxergava como maior e externa a si próprio: O "SERVIÇO". Isto é ainda mais relevante, quando se percebe que ele era um funcionário público, dos quais os cidadãos mais atentos desta Botocúndia, como o são os dignos leitores, tem podido perceber tantos exemplos repugnáveis conforme passam os anos. Seja como for, nosso personagem nunca trabalhou para ele mesmo. GASTOU-SE nos seus afazeres profissionais. Empenhou seu nome e sua reputação na maneira pela qual se desempenhava na execução daquilo que identificava como SUAS funções e afazeres. O nome com o qual este personagem se tornou conhecido neste mundo de meu Deus, foi João Baptista Carlos.

Tornou-se militar da Força Aérea Brasileira, e formou-se Sargento na Especialidade RT VO, o rádio-telegrafista de voo. Passou para a reserva, Suboficial, quando servia no Primeiro Grupo de Aviação Embarcada; Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Foi nesta fase final da sua carreira que encontrou o desafio de treinar a mim, transferido que fui para a Seção de Inteligência do 1º GAE. Foi então que, talvez pela primeira vez, pude confrontar, pessoalmente, o homem com a lenda. Lenda sim, porque o "Sub Joca", ou, o "Sub Zero Hora", o negro gigante, tinha seu nome circulando pela Embarcada sempre envolto numa aura mística... "o Joca" isso "o Joca" aquilo. Na Embarcada, ele era operador de radar, DAM e de sistemas acústicos, os sistemas empregados para se procurar, detectar, identificar e, se preciso, destruir um submarino, missão precípua do GAE. Era um sujeito consagrado ao que fazia, e assim reconhecido. Consta que uma vez, um avião anti-submarino inglês desceu em Santa Cruz, um Nimrod (imaginem, tempos de Guerra Fria, a Inglaterra membro da OTAN, sempre pronta para desafiar a URSS em combate!) e alguém da tripulação pergunta: "...quem é o Sargento João Carlos?..." a fama do sujeito extrapolava!


Sub João Carlos. Joca. Para o "novinho" recém chegado à unidade, aqueles nomes soavam como "mantenha-se afastado". A rouquidão da voz, grave, áspera, espremida pelas cordas vocais torturadas pela nicotina e pelos tragos sem fim, vencia o ar como um serrote e cortava a tua alma até o teu coração. Era uma voz para ser ouvida apenas uma vez. Não se discutia com ele. Acho que alguém o chamava de "Rei Zulu". Uma vez, eu estava trabalhando nos confinados espaços da cabine de comando de um dos nossos P-16, quando aquela voz rugiu pelas minhas costas "saia!"... até hoje, eu sei que saí do avião, mas eu não sei como nem por onde. Aliás, "saia!" era a senha para tu liberares o chuveiro "dele", não só em Santa Cruz, mas pelas bases aéreas desta botocúndia afora; existiam os sanitários "dele", também. Ele era insuportável! Aquela voz também não era econômica ao, com um sorrisinho tão desdenhoso quanto jocoso, se referir às suas próprias qualidades e façanhas. Ele era, mesmo, identificado por suas proezas: "...ganhei a guerra!..." roncou ele uma vez, ao pousar de volta no Minas Gerais, depois de ter detectado o submarino "inimigo", durante um dos incontáveis exercícios dos quais participou. E se alguém pensa que esta é uma visão muito particular minha, vejam o que escreveu o comandante José Aquino (TAM), antigo Cardeal, no grupo do FB dos veteranos:

"Lembro do Grande Joca desembarcando ao final de uma “caçada” daquelas, em pleno verão, completamente tomado pelo suor. Também podia, eram mais de quatro horas de busca ASW com os olhos 👀, ouvidos 👂🏽 mãos 🤲🏽 e cérebro 🧠 diretamente conectados ao painel do OE4. Nessa posição não tinha pra ninguém!"


Então, eu fui trabalhar com ele na Inteligência. E ali, só ali, trabalhando com ele, eu descobri que aquela coisa era humana. Uma humanidade tão sensível, veja o distinto leitor, que ele era destes poucos caras com os quais se podia falar sobre cinema (considerando o bom e velho cinemão hollywoodiano dos Bogarts, Holdens e "Dukes")! Uma humanidade que negava, que era paradoxal com o sujeito que era só asperezas (..." o Thiesen!? voar?! Rá, Rá, Rá - risada - Só sob o meu cadáver!" disse ele, conforme me contou o Medeiros, quando soube que eu tentava fazer parte das tripulações operacionais). Foi ali que eu vi a profundidade, em minúcia, a dedicação dele ao serviço (meu Deus! as mensagens sigilosas cifradas eram enviadas e recebidas com aquela máquina manual dos infernos, e seus malditos pentagramas, ainda!). Falta de pessoal?! lá ia ele, como qualquer Soldado estafeta, a pé, correr a unidade e a base, levando e buscando documentos. Não mandava ninguém se estivéssemos ocupados; ele o fazia! O grande Joca desconsiderava a sua antiguidade, seu prestígio, sua ascendência e fazia a si próprio de estafeta para o serviço não parar. A seção estava SEMPRE aberta, já antes do início do expediente, e TODOS os dias havia motivos para ser a ÚLTIMA a ser fechada, afinal, o S2 está diretamente ligado ao Comandante! há que estar pronta a assessora-lo, a TODO o momento!


Era duro com os outros porque, primeiro, era duro consigo próprio. As vezes me parecia um exagero! eu, no início da minha carreira na Inteligência, contrariado por estar ali (eu era o cara de estar junto dos aviões, não numa seção onde reinava a papelada, o serviço administrativo); contrariado pelos carimbos, pelas fichas, pelas regras de confecção de documentos, pela fragilidade das chefias, e pelas práticas dele... fiquei a ponto de explodir; mal comia, mal dormia... o Joca, que percebeu o meu dilema, com paciência PATERNAL, me conduziu pelo vale da sombra e da morte... me levou pelo caminho da coisa certa a fazer. Fui protegido da minha própria revolta; fui mentorado e estimulado, e nunca poderei saber, até que ponto, PROTEGIDO por ele, pois que eu nunca tive o refino para não demonstrar as minhas inconformidades às chefias às quais não respeitava pessoalmente - e no S2 do 4º/7 GAv eu tive a minha parcela deles, acreditem...


Eu devo ter sido protegido por ele, portanto. Digo isso porque, apesar da sua correção com a hierarquia, o Joca não se acocava para ela quando sabia estar certo. Não aceitava o que considerasse excessos. Eu, um soldado e outro Sargento o vimos enquadrar um Tenente impertinente, recém chegado e muito cheio de si: "..não gosto de palhaçada..." encerrou o Joca; e o Tenente bobalhão levou um tempo para deixar de chamar o Joca de "senhor". Eu aprendi TUDO com ele. Aí, um dia, ele foi pra reserva, voltou para o interior de São Paulo, e eu nunca mais o vi. Ele não se despediu de mim.


Portanto, meus ex-colegas, amigos, irmãos e conhecidos, leitores do Blogspot e alhures, este era o Sub Joca. Eu o seguiria até o inferno, e sei que, se tivesse sido preciso, ele era um desses caras que teria se sacrificado em combate, tripulando um avião ultrapassado, mas pondo conhecimento e sacrifício pessoal à disposição do bom cumprimento da missão, acreditando defender a segurança do país de vocês. Eu gostaria de ter podido ser um pouco mais eloquente ao descrevê-lo, eu queria ter podido estimular vocês a aplaudirem o Suboficial João Baptista Carlos, o Sub Joca...o Zero Hora. Dia 22 de março de 2014 ele morreu. E não se despediu de mim...

Comentários

  1. Que lindo e maravilhoso relato. Como é bom ver estes exemplos de valorosos Brasileiros.
    Precisamos de mais pessoas assim, hoje e sempre.
    Obrigado

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    1. ...uma alegria que tenhas gostado, Valdomiro. Muito obrigado...

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  2. Meus Parabéns eu não conhecia a Historia fico muito contente Parabéns ao Joca Valoroso Brasileiro

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  3. Convivi com ele, trabalhei com ele, voei com ele, tomei algumas com ele e assino em baixo tudo o que vc falou à respeito.
    Grande Zero!
    Hamilton

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    1. ...muito obrigado pela atenção da resposta antigão! Viva o Zero!...

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  4. Como sempre, o seu texto é preciso e cativante, nobre Thiesen! Só pelo seu relato, a gente fica com a certeza de que era um daqueles que possui "aquele brilho" que se destaca, mesmo sem querer.

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  5. Meu amigo Thiesen. Somente agora, após o dia maravilhoso de ontem, o qual passei em sua companhia, é que indicado por ti, fui em busca da leitura deste texto sobre o saudoso Joca. Que maravilha de retrato que fizeste deste ícone, desconhecido por tantos, mas que com o passar dos anos aprendemos a respeitar ainda mais. Mais do que respeitávamos naquela época, temerosamente, ao ouvirmos aqueles, hoje saudosos, gritos advindos de sua voz forte e rouca! (QUEM É O CHEFE PO.......??????)

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