Pousos inusitados, e a infelicidade de não se preservar os arquivos fotográficos.


Um dos envelopes de negativos que eu encontrei depois da extinção do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, estava marcado como contendo negativos da ARAEX 94: o envelope guardava apenas oito negativos. Ora, numa missão internacional os fotógrafos da Embarcada não batiam oito fotos, na verdade eles consumiam alguns rolos de filme, quer fossem do tipo comercial, quer fossem em rolos montados por eles mesmos, usando equipamento "virgem", à granel, na Seção de Fotografia da Base de Santa Cruz. Além de poucos, todos os "frames" sobreviventes estavam muito deteriorados, e exigiram todas as minhas (in)habilidades para aplicar alguma "maquiagem" eletrônica, sendo que, com o resultado desta operação, o digno e paciente leitor haverá, necessariamente, de contentar-se. De todos os modos, as ARAEX eram exercícios conjuntos com a Armada Argentina, e serviam, entre outras coisas, para qualificar e requalificar as tripulações portenhas nas operações aéreas embarcadas, uma vez que os argentinos já não contavam com o seu porta-aviões, o ARA "25 de Mayo", um dos irmãos do nosso querido Minas Gerais.



A estrutura que parece sair do teto, é o berço da catapulta, tudo recoberto por uma grossa camada de isolantes térmicos, considerando que a catapulta do Minas era ativada a vapor.


Pois bem, dentre as imagens sobreviventes, as mais interessantes no que concerne às memórias do Primeiro Grupo de Aviação Embarcada, são as quatro fotos tiradas no refeitório dos 2ºs e 3ºs Sargentos, no qual havia um bar onde cerveja e refrigerantes eram vendidos todos os dias a partir da abertura do rancho para o jantar. estas fotos devem ter sido tiradas pelo então Sargento Carlos Alberto, que era o retratista do GAE à época. As duas primeiras (acima) aparecem com a lente voltada mais para bombordo, a ESQUERDA do navio, justamente onde se encaixava o dito bar, com seu balcão isolando os "freezeres" horizontais dos sempre sedentos "fabianos". As duas fotos seguintes (abaixo) tem a lente apontada diretamente para a ré do navio. O bar está à DIR, depois do quadro de nós. Lá no final do espaço, virando-se à ESQ, havia uma porta que dava acesso ao grande corredor de boreste, que ligava a proa à popa do navio pelo convés da galeria. Por ele se acessava setores do talabardão a boreste em dois pontos diferentes, um à vante, e outro à ré, já na área do aparelho de parada. A grande escadaria dupla sob a ilha, por sua vez, por onde as tripulações, saindo de suas respectivas salas de brifim (Briefing Rooms), acessavam o convés de voo, desembocava dentro da ilha. De todos os modos, por estas três passagens, se chegava ao convés de voo (convoo).


Na antepara ao fundo, atrás do cavalheiro escorado no aparelho de ar condicionado, havia uma porta que, se aberta, dava para o poço do elevador (plataforma) de vante. Era como olhar do segundo andar, num edifício de três andares. A ideia era trazer os mantimentos aos ranchos, usando a própria plataforma, evitando o trânsito das cargas pelos corredores e escadas.



Bem, as três salas de brifim, "refúgios" dos esquadrões aéreos embarcados, tinham suas portas de acesso neste mesmo corredor, bem como a barbearia dos Sargentos, perto da proa; os alojamentos do Suboficiais e Primeiros Sargentos ali perto, e, como eu já referi, à meia-nau, o acesso à própria ilha. Havia também, passando-se o acesso à ilha, e passando pelo Brifim Dois, que abrigava o pessoal do 1º GpAvEmb, indo para a ré do navio, à ESQ, escritórios que serviam à seção administrativa do 1ºGpAvEmb, bem como o depósito da nossa seção de Equipamento de Voo. bem, Por estes dois espaços passavam os dutos da chaminé, vindos lá de baixo, das praças de máquinas. O calor aí era uma coisa que desafia o poder de descrição deste veterano. Mais adiante chegava-se à área dos camarotes dos oficiais. Por todo o trajeto em direção à popa (a ré), a antepara (parede) à direita, era a própria parede do hangar do navio.

A navegação no Rio de la Plata e seus riscos. Em 1965 o próprio Minas encalhou (assunto abordado em um dos artigos do Blog) encalhou diante de Buenos Aires.


Quando eu referi ao enorme consumo de filme fotográfico num embarque para o exterior, lamentando as poucas imagens que restaram no envelope de que me ocupo, eu considero que na ARAEX de 1994, além da cobertura do cotidiano, das visitas de autoridades estrangeiras, das operações militares propriamente ditas, e das atividades de Inteligência (sim, todo mundo espiona todo mundo, o tempo todo), houve um fato absolutamente inusitado.

Eu não sei se esta é a aproximação desastrada do "03", mas vale para perceber os cabos de parada colados ao convoo, e o gancho proeminente na cauda do avião, mesmo quando recolhido.


Lembremos: o Minas Gerais estava, há anos, com a sua catapulta inoperante. Na verdade o 1º GpAvEmb continuava voando a partir do navio, com seus aviões pesadamente carregados para as missões ASW (Anti-submarino), porque fazíamos algo que o sempre atento e mui experiente Coronel Souza Lima sempre traz à lembrança quando necessário: ao contrário dos argentinos com os seus S-2, o GAE realizava decolagens livres, ou seja, dadas as condições de vento sobre o convés (velocidade do vento adicionada à velocidade do navio - WOD), os P-16 eram lançados numa corrida pelo convoo, de maneira que no comprimento do navio era possível alcançar a velocidade aerodinâmica suficiente para pô-los a voar.


Visão a partir do talabardão da catapulta.


A fragata argentina Spiro, estava servindo de navio guarda; de repente ficou meio sem ter o que fazer.

Considerando-se a operação de aviões convencionais à reação embarcados, contudo, as decolagens livres são impossíveis. Desta forma, os aviões Super Etendard (SE) da Armada Argentina não poderiam decolar do Minas Gerais se pousassem a bordo, já que não poderiam ser lançados de volta ao ar, sem a catapulta. Para tanto, o aparelho de parada do Minas Gerais mantinha os cabos de frenagem na posição recolhida, colados ao convoo, e os próprios aviões não baixavam seus ganchos de parada, como maneira de evitar um enganchamento. Pois bem, durante as operações daquele ano, um daqueles aviões, apesar de todas as precauções, acabou enganchando durante a realização dos "touch & goes". A análise do incidente indicou demora na aplicação das correções ditadas pelo Oficial Sinalizador de Pouso (argentino), e aumento impróprio do ângulo de ataque. Para os fins deste artigo, o interessante é notar que, de fato, muitas mais oportunidades para fotografar apareceram em 1994, portanto, em comparação com um embarque "normal". Nada obstante, seja como for, estas fotos sumiram.

Aparentemente, o GAE só tinha adesivos do Segundo Esquadrão, o "Fique tranquilo".



Sem as fotos do fotógrafo oficial, as fotos do SE que aparecem aqui me foram dadas por um dos três irmãos que a Embarcada me deu (a Embarcada empatou com o meu pai), Alexandre Alves da Silva Leal (que aparece na foto que abre este artigo). Eu não lembro do Leal com uma máquina fotográfica nas mãos, por isso, não sei se foi ele o autor das fotos. Nada obstante, elas me serviram como um consolo generoso, pelo fato de eu não ter estado a bordo naquela ocasião, e perdi toda a excitação do evento. Note o mui prezado leitor as silhuetas de navios pintadas na fuselagem do "03" (acima); elas representam os navios ingleses que este aparelho afundou disparando mísseis Exocet durante a Guerra das Malvinas. Curiosamente o caso do Sheffield faz aniversário hoje! Note, também, os adesivos brasileiros aplicados ao avião, o que constitui a aplicação da tradicional (e mandatória) pichação dos aviões que pousam em navios errados (na verdade, acho que aqui o pessoal poderia ter sido mais "agressivo").

Desafortunadamente, na ARAEX do ano seguinte (então eu estava a bordo), recebemos uma mensagem informando que este mesmo piloto morreu, pilotando este mesmo avião, num acidente durante uma demonstração aérea na Argentina... pior, nós mesmos perdemos o 7030 (BuNo 152339) e o Renato Souza Dutra, nossa única vítima fatal em todos os anos de operações aéreas embarcadas...

Uma das fotos sobreviventes, para o caso de algum leitor plastimodelista, um dia, dispor-se a montar o mastro do velho Minas Gerais.


 

Paulo Cezar Souza Lima, Nelson Aranha e outras 61 pessoas
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